Olhem só que assunto delicado e de importância gigantesca: a forma na qual o suicídio é tratado pela mídia contribui ou não para o aumento ou diminuição dos casos?
Extraído do blog Marginália Social, em: https://marginaliasocial.wordpress.com/2020/08/07/vamos-falar-sobre-suicidio-na-midia/
VAMOS FALAR SOBRE SUICÍDIO NA MÍDIA?
Por Karolina Calado
O suicídio é encarado no Brasil e no mundo como um grande tabu. Discussões sérias sobre este fenômeno são invisibilizadas, e seu silenciamento não permite a clareza da dimensão do problema para fins de enfrentamento. O “não dito” é encarado, portanto, como inexistente. De encontro a essa postura silenciadora, a Organização Mundial da Saúde evidencia que 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano e já é a causa de morte de ¼ da população mundial. Para dar visibilidade a este assunto, desde 2015, o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) têm promovido o “Setembro Amarelo”, uma campanha dedicada à prevenção do suicídio junto a setores midiáticos e de poder. Nos parágrafos abaixo, buscaremos propor um debate sobre como historicamente o suicídio foi encarado pela mídia.
Essa temática é pouco abordada na mídia por conta da convenção de que as notícias podem aumentar o contágio entre os indivíduos e ocasionar no suicídio. Ao encontro dessa perspectiva, em 2013, o IPEA divulgou uma pesquisa na qual conclui que “(…) o índice de mídia é o terceiro motivador de suicídios, depois do desemprego e da violência, para todos os grupos de pessoas. (…) o aumento de 1% na mídia eleva a taxa de suicídio de jovens do sexo masculino entre 15 e 29 anos em 5,34%.” Segundo Asa Briggs e Peter Burke, a associação entre suicídio e imprensa é conhecida já há algum tempo: “Dois exemplos concretos de como ajudar a moldar as atitudes de seus leitores referem-se ao suicídio e ao ceticismo. Em Sleepless Souls (1990), Michael MacDonald e Terence Murphy escrevem que ‘o estilo e o tom das histórias dos jornais sobre suicídio promoveram uma atitude secular crescente e simpática sobre esse ato’ no século XVIII na Inglaterra. Essa impressão foi-se criando pela frequência dos relatos que mostravam o suicídio como coisa comum. As cartas dos que se matavam eram publicadas nos jornais, permitindo aos leitores ver o evento do ponto de vista dos atores, sendo que essas cartas, por sua vez, influenciavam o estilo de outras deixadas por suicidas posteriores.” (BRIGS; BURKE, 2006, p. 78-79). Outro fato bastante lembrado é novela de Goethe, “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, pulicada em 1774. Nela, o jovem comete um suicídio após uma desilusão amorosa. Por conta disso, vários jovens, na época, repetiram esse tipo de morte.
No entanto, o silenciamento diante deste assunto é maléfico para a sociedade como um todo. A prevenção só é possível através da informação de qualidade, da capacidade de informar para formar, da tematização que se torna possível a partir do momento em que se discute o tema, levanta dados, ouve-se pessoas com possíveis distúrbios e se humaniza para a valorização da vida. “Os clínicos e os pesquisadores sabem que não é a cobertura jornalística do suicídio per se, mas alguns tipos de cobertura, que aumentam o comportamento suicida em populações vulneráveis”(Organização Mundial da Saúde). A mídia, portanto, ocupa um lugar essencial nesse processo.
Ao compreender a relevância da problematização e discussão midiática, a Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu o material “Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia” a fim de orientar os jornalistas sobre a forma de abordar esse tipo de morte. “O suicídio é talvez a forma mais trágica de alguém terminar a vida. A maioria das pessoas que consideram a possibilidade de cometer o suicídio são ambivalentes. Elas não estão certas se querem realmente morrer. Um dos muitos fatores que podem levar um individuo vulnerável a efetivamente tirar sua vida pode ser a publicidade sobre os suicídios. A maneira como os meios de comunicação tratam casos públicos de suicídio pode influenciar a ocorrência de outros suicídios. (OMS)”. Entretanto, o texto orienta o que fazer na produção noticiosa: “Trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos fatos. Referir-se ao suicídio como suicídio ‘consumado’, não como suicídio ‘bem sucedido’. Apresentar somente dados relevantes, em páginas internas de veículos impressos. Destacar as alternativas ao suicídio. Fornecer informações sobre números de telefones e endereços de grupos de apoio e serviços onde se possa obter ajuda. Mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento suicida.” Nesse material, é também possível encontrar as orientações sobre o que não fazer: “Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas. Não informar detalhes específicos do método utilizado. Não fornecer explicações simplistas. Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso. Não usar estereótipos religiosos ou culturais. Não atribuir culpas.”
Ao tematizar a relevância da mídia no “Setembro Amarelo” e na inclusão desse assunto na mídia, o G1 lembrou da campanha sobre o câncer de mama que, por meio da publicização, alcançou a queda do número de pessoas com a doença desde a década de 1960. Nesse mesmo sentido, o Centro de Valorização da Vida promoveu em Porto Alegre (RS) o IV debate “Abordagem Responsável do Suicídio na Mídia”, no dia 10 de setembro, data em que se celebra o “Dia Mundial de Prevenção do Suicídio”. O local foi escolhido porque o Rio Grande do Sul possui 11 municípios dentre os 20 com os maiores índices de suicídio do Brasil. “A mídia desempenha um papel significativo na sociedade atual, ao proporcionar uma ampla gama de informações, através dos mais variados recursos. Influencia fortemente as atitudes, crenças e comportamentos da comunidade e ocupa um lugar central nas práticas políticas, econômicas e sociais. Devido a esta grande influência, os meios de comunicação podem também ter um papel ativo na prevenção do suicídio. (OMS)”
No manual da OMS, informa-se que, junto às notícias sobre suicídio, deve-se trazer: “listas de serviços de saúde mental disponíveis e telefones e endereços de contato onde se possa obter ajuda (devidamente atualizados); listas com os sinais de alerta de comportamento suicida; esclarecimentos mostrando que o comportamento suicida frequentemente associa-se com depressão, sendo que esta é uma condição tratável; demonstrações de empatia aos sobreviventes (familiares e amigos das vítimas) com relação ao seu luto, oferecendo números de telefone e endereços de grupos de apoio, se disponíveis. (OMS)”
Com uma boa base de dados, além da OMS, as fontes confiáveis para divulgar informações relacionadas ao suicídio são: “Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) – Instituto Inter-Regional das Nações Unidas para Investigações sobre Criminalidade e Justiça (UNICRI) – Rede Clínico-Epidemiológica Internacional (INCLEN), Sociedade Internacional para a Prevenção da Negligência e Abuso Infantis (ISPCAN), INTERPOL, Departamento Estatístico da Comunidade Européia (EUROSTAT) e Banco Mundial” (OMS).
O CVV defende que a mídia tem um papel crucial na prevenção do suicídio e mostra, em seu site, matérias publicadas, de forma responsável, por diversos veículos sobre esse assunto. Esse Centro oferece serviço gratuito de ajuda, via ligação por meio do número 144, chat, Skype, e-mail ou presencialmente. Em Recife, por exemplo, o endereço é na Avenida Manuel Borba, 99/102 – Boa Vista, com funcionamento 24 horas. Maiores informações podem ser encontradas no site https://www.cvv.org.br/.
Centro de Valorização da Vida (CVV). Disponível em: << https://www.cvv.org.br/ >> acesso em 20 de setembro de 2017.
Dados da OMS sobre o suicídio. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2019/setembro/13/BE-suic–dio-24-final.pdf > acesso em 07 de agosto de 2020.
BRIGGS, A; BURKE, P. Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet; tradução Maria Carmelita Pádua Dias; revisão técnica Paulo Vaz. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
Estudo do IPEA: “OS EFEITOS DA MÍDIA SOBRE O SUICÍDIO: UMA ANÁLISE EMPÍRICA PARA OS ESTADOS BRASILEIROS”. Disponível em: << http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1851.pdf >> acesso em 20 de setembro de 2017.
História do Setembro Amarelo. Disponível em: << http://www.setembroamarelo.org.br/historia/ >> acesso em 20 de setembro de 2017.
Notícia sobre o Setembro Amarelo no G1. Disponível em: << http://g1.globo.com/natureza/blog/mundo-sustentavel/post/setembro-amarelo.html >> acesso em 20 de setembro de 2017.
Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia: Disponível em: << http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/67604/7/WHO_MNH_MBD_00.2_por.pdf >> acesso em 20 de setembro de 2017.
Setembro Amarelo (CVV). Disponível em: << https://www.cvv.org.br/blog/um-setembro-mais-amarelo/ >> acesso em 20 de setembro de 2017.

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