Um suporte de papel higiênico (aquele rolinho que você coloca dentro do rolo de papel) é algo barato, não?
Através da luta contra assaltos a “rolinhos de papel higiênico”, uma diretora de faculdade da Bahia mostrou como é importante o respeito ao espaço público e como a luta contra a bandidagem começa pelas pequenas coisas.
Este texto é do Prof Dr Paulo Costa Lima, da UFBA, e o original pode ser acessado CLICANDO AQUI.
FACULDADE ELIMINOU ROUBOS REPONDO OBJETO FURTADO 241 VEZES
Ela decidiu peitar a bandidagem…
Minha amiga era vice-diretora da faculdade de arquitetura e o pessoal da limpeza vivia atazanando seu gabinete… Todo dia sumiam aqueles rolinhos, como é o nome daquilo..?
Aquele negócio redondinho que antigamente era de madeira e tinha uma mola por dentro, hoje é de plástico…
Entra nos dois furos da parede e segura o rolo de papel higiênico.
Ela chegava todo dia e era o mesmo caso. Roubaram os rolinhos. Não tem onde botar o papel. Os banheiros sujos. Os rolos de papel no chão, ou pior, desenrolados na cesta de lixo. Privada entupida… Pode um negócio desses?
Pensou, pensou, e acabou achando uma solução completamente original. Mandou comprar 480 rolinhos e decidiu entrar na briga. Roubavam um rolinho, ela repunha imediatamente. Roubavam 2, 3, 20 rolinhos e lá estava o substituto, novinho em folha, na cara (e nos fundilhos) dos contraventores.
Ficou com uma sensação muito boa de que com ela ninguém podia. Nem a bandidagem. Onde já se viu? Roubar os rolinhos do suporte, na intimidade do alívio de cada dia…
Não podia botar câmeras. Isso foi no início dos 90. E mesmo não ia dar certo. A universidade pública. Iam pensar que a diretoria estava filmando as pessoas nuas sabe-se lá pra quê…
Preocupava-se com o aspecto de contravenção do seu próprio ato administrativo. O que diria ao Reitor sobre esse gasto excessivo com rolinhos de suporte para papel higiênico?
Não sabia onde a coisa iria parar. Até quando iria ter que comprar pacotes de 480 acessórios? O que diria a Divisão de Material?
Mas o espírito da luta, e a nobreza da causa acabaram falando mais alto. E também pensava na economia com o gasto de papel. Afinal, teria alguns argumentos. Continuou repondo e repondo…
Quando chegou em 241 os roubos pararam. Educação completa. Ela havia vencido a guerra e não apenas uma batalha. O ladrão deve der ficado absolutamente decepcionado. Imagine que a casa dele já não devia ter lugar onde botar essas tralhas desses rolinhos…
Acho que a minha amiga realizou um experimento inusitado de enfrentamento da contravenção.
Flexionando o espaço-tempo da propriedade gerou uma abundância artificial que eliminou o sentido do roubo.
Já pensou se esse pequeno modelo se espalha? Teria que dar dinheiro para todos os ladrões e todos os corruptos até que eles não quisessem mais… seria o fim da bandidagem e do capitalismo… (rsrsrs)… o fim da pena de morte por corrupção na China?
E tem mais. Ela demonstrou até onde deve ir essa história de tolerância zero. A violência começa nos banheiros, no desrespeito ao outro…
Leituras e associações:
1. a noção (ou falta de noção) do espaço público entre nós;
2. falha estrutural do contrato social: levar vantagem;
3. também acontece com livros nas bibliotecas públicas, muitas vezes levados por gente tida como acima de qualquer suspeita;
4. não é um problema dos pobres, que muitas vezes são bem mais decentes que médios e ricos;
5. o banheiro público aciona espaços discursivos aparentemente caóticos, típicos dessa situação – o palavrão, a obscenidade, a infâmia, o humor rasgado -, marcas culturais dos “sem contrato”;
6. os comentários da internet (inclusive no Terra) retomam muitas vezes esse ambiente, que alia franqueza bruta e falta de limite quase perversa com relação ao ‘outro’; existe o outro?
7. violência e pertencimento (ou falta de pertencimento) se interpenetram o tempo todo;
8. esse é um grande tema para a campanha presidencial.
9. na contramão de tudo isso: um projeto maravilhoso de caixas de livros nos pontos de ônibus; o sujeito leva o que quiser pra casa (depois traz de volta, lido); está acontecendo na cidade de Vitória da Conquista, interior da Bahia.
Imagem extraída da Web.