Puxa, que matéria sensível, espetacular e pertinente da jornalista Nathália Sousa do Jornal de Jundiaí! Ela abordou todas as dificuldades envolvendo as crianças em idade escolar nos tempos de pandemia. E, infelizmente, os problemas da conectividade.
Talvez a sociedade não esteja tão atenta a esse problema, mas muitos alunos da Rede Pública, provavelmente, perderam o aprendizado em 2020…
Abaixo, extraído de: https://www.jj.com.br/jundiai/educacao-remota-nao-existe-para-criancas-sem-acesso-a-internet/
EDUCAÇÃO REMOTA NÃO EXISTE PARA CRIANÇAS SEM ACESSO À INTERNET
Por Nathália Sousa
Com as aulas suspensas em todo o Brasil, por conta da pandemia de coronavírus, teve início o ensino a distância, desde março, tanto na rede pública estadual quanto na municipal de Jundiaí. No entanto, há dificuldades no ensino a distância que afetam majoritariamente as famílias mais pobres. Vão desde o acesso à internet até o desconhecimento de muitos pais dos conteúdos abordados na escola, dificultando assim a ajuda aos filhos, principalmente os menores, neste momento. E, se o ensino a distância pode ser deficitário para algumas pessoas com plenas condições financeiras, a quem tem falta é impossível.
Patrícia de Góes Moraes mora no Jardim Vitória e conta que a rotina das aulas on-line não existe por lá. “As crianças ficam na rua da hora que acordam até a hora de dormir. Minha vizinha tem cinco crianças e não tem internet, eles ficam na rua brincando o dia todo, não dá para segurar em casa. Nenhuma vizinha minha tem internet.”
“Eu tenho internet, porque consegui colocar, mas minha filha entra no site que a escola mandou e só copia o que tem lá, não aprende nada. Eu não consigo ensinar. Se eles falam que não entendem, imagina a gente que não estudou mais”, diz ela sobre os estudos da filha Emanuela, de 12 anos, e a impossibilidade de oferecer uma tutoria, como era realizada na escola.
Patrícia também é mãe de Julia, de 15 anos, e Gabriel, de 4. Gabriel ainda não vai à escola porque não conseguiu vaga. Mas Julia e Emanuela, que estudavam, não têm mais a rotina de aulas. Emanuela, como dito, tem em seus estudos a cópia do conteúdo, sem absorção. Já Julia mora em Cabreúva com o marido e o filho, que teve recentemente. Neste ano ela não chegou a frequentar a escola por conta da gravidez.
Julia explica que a irmã pegou uma apostila na escola em abril e avisariam quando fosse preciso buscar outra, mas, de lá para cá, o aviso ainda não chegou. “Eu precisaria de reforço e ela precisaria também. Ela fala que não entende e não consegue tirar dúvida com a professora”, diz Julia sobre a irmã.
Além da falta de conhecimento para conduzirem sós as aulas on-line, os estudantes também têm o entrave da conexão. Este é o caso na casa de Marinalva Della Coleta, moradora do Vista Alegre e mãe de Kauany, de 15 anos, e Ketylen, de 7. “Não tem internet e não tem computador. Também não consegui ver na TV. Para a pequena eu busco a atividade na escola, de 15 em 15 dias. A mais velha, no começo eu levava na casa do meu tio, no São Camilo, para fazer as atividades, mas é ruim de ir e é muito gasto para pagar a passagem”, conta ela, que também depende dos ônibus para buscar as atividades na escola de Ketylen, no Bairro Corrupira.
Tanto Marinalva quanto o marido estão sem emprego e hoje dependem do auxílio emergencial. “É o que está me salvando e é o que uso para conseguir pagar passagem.”
Kauany não está estudando no momento e diz que será importante ter aulas mais intensivas no retorno presencial. “Eu não vou saber as coisas que os outros estão estudando agora. Elas pedem para acessar a internet para consultar as coisas. As professoras só atendem pela internet, tem que enviar as atividades por e-mail, mas não tem internet. Para mim é melhor estudar mais um ano ou fazer revisão e saber o conteúdo do que passar direto. Espero que esse período sem aula não me atrapalhe mais tarde”, diz ela.
“A mais velha que ajuda a menor. No meu tempo era diferente e tem coisa que a gente não sabe mais. Criança menor precisa pegar mais no pé”, conta Marinalva, acreditando que há necessidade de as filhas terem reforço escolar na volta às aulas. Marinalva também conta que é complicado ensinar algumas disciplinas à Ketylen sem estar on-line. “Inglês dá trabalho, é a mais complicada”, conta, por não conhecer o conteúdo. Uma resposta entre uma risada acusa a maior saudade que Ketylen sente da escola. “Estudar.”
Compartilhando da dificuldade de Marinalva, Katia Aparecida Dias Lopes, que mora no Parque dos Ingás, conta que é complicado ensinar os filhos em casa. “Eu tenho dificuldade porque estudei faz tempo. O inglês mesmo, eu não sei fazer. Não consigo acessar o dicionário de inglês, porque não tenho internet. Tento explicar, mas minha filha não entende as contas, como pode fazer três menos quatro”, diz Katia, que mora com o marido e seis filhos, mas apenas dois frequentam a escola, Kauanne, de 8 anos, e Samuel, de 7. Além deles, Katia também tem a Laurinha, de 2 anos, que precisa de atenção.
Na casa de Katia não há internet, ela usa a rede wi-fi de um vizinho, mas não é sempre que funciona. “Para quem não tem internet, eles mandam as atividades impressas, para quem tem, eles mandam no WhatsApp para a pessoa imprimir em casa.”
“Eu acho que melhoraria se tivesse acesso on-line, para falar com a professora. Ela está no terceiro ano e ele no primeiro, não consigo ensinar os dois juntos”, diz Katia sobre Kauanne e Samuel. Katia acredita que um reforço será muito importante para os filhos. “Eu espero que ofereçam um reforço, acho que vai ser muito importante para eles”, afirma.
OFERTA
Segundo a gestora da Unidade de Gestão de Educação (UGE) de Jundiaí, Vastí Ferrari Marques, há acompanhamento e entrega de tarefas para todos alunos da rede municipal. “No caso dos alunos que não têm acesso à internet ou que têm dúvidas, os professores ofertam suporte presencial. Atendimento individual, com hora marcada e com todas as medidas preventivas”, diz ela.
Sobre as compensações no retorno às aulas presenciais, Vastí diz que haverá reposição aos alunos que precisarem. “Serão repostas as possíveis perdas com uma reposição paralela em todo o ano de 2021, para os alunos que tiverem dificuldade de aprendizagem. Existe a possibilidade de, quando ocorrer o retorno das aulas, o ensino ser híbrido, ou seja, parte na escola e parte em casa. A UGE está trabalhando nesse processo”, conta Vastí sobre uma possível adoção do ensino on-line permanente na rede municipal.
Vastí reconhece que pode haver evasão, mas conta que há um empenho para que o saldo não seja negativo após a quarentena. “Pode ocorrer evasão. Contudo, é importante salientar que a UGE tem implementado o Programa de Busca Ativa, que tem como premissa a organização de uma rede de proteção à criança. As equipes escolares estão sempre atentas e quando ocorre a ausência do aluno sem aviso, as famílias são procuradas e, inclusive, é feita visita na residência.”
Na rede estadual, o subsecretário de articulação regional da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Henrique Pimentel, afirma que o acesso ao aplicativo do Centro de Mídias da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (CMSP) fica garantido por todos que têm um celular. “O aplicativo não é tarifado, basta ter o celular para conseguir acessar.” Ele conta ainda que os professores ficam disponíveis no aplicativo para sanar dúvidas referentes às aulas, mas somente no período da aula. Apenas os que lecionam em escolas de período integral têm dedicação exclusiva à turma.
“A recuperação é para todos os estudantes. Mesmo o estudante que acompanha o CMSP está um pouco defasado, mas obviamente alguns alunos precisarão mais que outros. Haverá uma avaliação e uma recuperação das aprendizagens perdidas. Começará em 2020 e vai até 2021”, conta Pimentel. Ele fala também sobre o projeto de 4º ano do ensino médio. “O 4º ano é opcional. Os alunos que estão na reta final do ensino médio e não se sentem preparados podem ter essa opção.” Pimentel conta também que há uma monitoria a fim de que não haja evasão escolar após a pandemia. “Hoje a gente sabe que os alunos que acompanham as aulas pelo aplicativo e pela televisão são 74% dos estudantes no estado de São Paulo. Para os estudantes que têm maior vulnerabilidade ou não tem notas no primeiro bimestre, a gente faz uma monitoria nas diretorias de ensino e nas escolas.” Pimentel explica que é difícil falar de evasão neste momento, pois é na volta às aulas presenciais que haverá uma avaliação da situação.
Desafios da educação especial em casa
Para pais de crianças com deficiência, nesta pandemia, além da monitoria na educação escolar, ainda há uma série de outras atividades que devem ser realizadas em casa. E, se para muitas pessoas já é difícil manter a rotina de exercícios escolares, ensinar terapia ocupacional, fonoaudiologia, entre outros, representa um esforço extra.
Este é o caso de Adriana Andrade Benjamin, mãe do Eduardo, ou Dudu, de 4 anos, que tem Síndrome de Down. “O Eduardo tem sete terapias por semana, todos os dias, então os pais sempre acabam fazendo em casa, mas agora está mais puxado, porque algumas ele fazia lá e agora não tem. Eu recebo o material e passo os exercícios. Faço fotos dele e envio, então me mandam as devolutivas me orientando. São exercícios mais simples, porque na Bem-Te-Vi há aparelhos que não tenho em casa”, conta ela referindo-se ao Centro de Atendimento a Síndrome de Down Bem-Te-Vi.
“Temo pelo déficit. Amigos falaram que os filhos tiveram um retrocesso no tratamento. Por mais que eu tente, não é igual.” Mesmo assim, Adriana consegue observar algo positivo. “Ele sempre teve muitos compromissos e eu percebia ele cansadinho, mas agora ele está podendo ser criança ‘de verdade’, pode brincar mais e eu percebo ele com outra disposição.”
Psicopedagoga do Bem-Te-Vi, Márcia Parreira explica a importância da terapia para crianças com Síndrome de Down. “O processo de aprendizagem da criança com Down é mais lento. Ela não deixa de aprender, mas precisa de cuidados especiais. Eu gravo atividades práticas para as mães e coloco em grupos.” Além dos vídeos, Márcia prepara atividades individuais que os pais retiram no local.
A psicopedagoga conta que o período sem práticas presenciais pode estagnar o desenvolvimento de uma criança. “Acredito que em maior ou menor grau vão ter alguma perda. Certamente as intervenções terapêuticas estão fazendo falta para eles. Estamos nos preparando para o retorno”, diz ela.
Thainá Castillo Salin é mãe do Pedro, de 7 anos. Pedro tem uma síndrome rara, chamada GLH, e autismo e, para ela, o momento é de desafio. “Certamente para todos os casos este momento é um desafio. Para nós, que temos a ajuda desses profissionais, assumo isso sozinha agora. A gente não consegue oferecer tudo, eles precisam de uma rede de apoio”, conta ela sobre a falta dos terapeutas presencialmente para o tratamento de crianças como Pedro.
“Meu filho vem de uma pedagogia diferente, que precisa de presença. A gente precisa buscar recursos em um espaço de tempo curto, mas acaba sendo um aprendizado, mas mostra o quanto a sociedade precisa de adaptações. Eu falo isso porque sei que toca numa ferida para muitos pais que estão nessa situação.” Ainda assim, Thainá conta que o contato maior com o filho foi algo recompensador, pois ela pôde descobrir que Pedro tem habilidades, as quais ela não conhecia.
Com dificuldade na aprendizagem e na fala, Ana Clara, de 9 anos, está fazendo atividades em casa com a mãe, Daiane da Silva, que avalia o momento difícil para o desenvolvimento da filha. “Estão passando atividades mais simples, mas a gente não tem a prática que a professora tem. É um ano sem evolução. Ela já tem dificuldade na escola, e é totalmente diferente.
Coordenadora Educação da Apae de Jundiaí, Tatiana Massaroni Cruz conta que as famílias são muito importantes neste momento. “Estamos vivenciando o fortalecimento dessa parceria.” Ela diz que, embora haja resultados positivos neste momento de terapia domiciliar, a evolução das crianças vai ficar comprometida.