– Os perigos da Pílula Anticoncepcional

Se eu que sou homem assustei, ficou imaginando as mulheres!

Veja o que a Época traz sobre novas pesquisas sobre efeitos colaterais das pílulas contraceptivas. Abaixo:

bomba.jpg

Quando a pílula anticoncepcional é a pior escolha

Elas descobriram – tarde demais – que jamais deveriam ter tomado anticoncepcional. Como a vasta maioria das brasileiras, nada sabiam sobre 
os gravíssimos riscos dos hormônios

CRISTIANE SEGATTO
27/03/2015 22h58 – Atualizado em 28/03/2015 00h1
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
Na tarde de uma quinta-feira de fevereiro, a funcionária pública Daniele Medeiros Alvarenga cortava rabiolas para enfeitar o telhado da casa, em São João de Meriti, no Rio de Janeiro. Era seu aniversário de 33 anos. Daniele estava feliz. Pela primeira vez em três décadas, queria festejar duas vezes. No sábado, a reunião familiar seria na varanda. Assim que terminasse de preparar os enfeites coloridos naquela quinta-feira, Daniele transportaria uma caixa de cupcakes até o cenário da primeira comemoração: o Hospital Oeste D’Or, no Rio. Ela saíra de lá seis meses antes. “Como dizem os médicos, estou aqui por um milagre.”Por muito pouco, ela não se tornou mais uma vítima fatal do desrespeito às recomendações da Organização Mundial da Saúde, a OMS, para o uso seguro de pílula anticoncepcional
A pedagoga, que antes da licença-médica trabalhava como assessora na Câmara de Vereadores de Mangaratiba, jamais poderia ter tomado um contraceptivo hormonal. Sabia que era portadora de uma condição genética (conhecida como trombofilia) que aumenta em até 30 vezes o risco de formação de coágulos na corrente sanguínea de mulheres que usam hormônios. Os danos provocados por esse tipo de coágulo costumam variar entre graves e irreversíveis: trombose nas veias, embolia pulmonar, trombose nas artérias do cérebro, AVC, paralisia, morte.
O drama de Daniele começou no ano passado. Ela procurou uma ginecologista para tratar cistos ovarianos, que causavam fortes cólicas menstruais. A médica ofereceu duas opções: remover o ovário policístico ou usar uma pílula anticoncepcional para tentar tratá-lo. Daniele optou por não fazer a cirurgia. Preferiu manter o órgão porque pretendia engravidar. “Disse à ginecologista que era portadora de um fator genético que aumenta o risco de trombose”, afirma. “Ela respondeu que, nesse caso, receitaria uma pílula com baixa dosagem hormonal.”
Ao contrário do que a OMS recomenda, Daniele saiu do consultório com uma receita de Yasmin, nome comercial da pílula composta pelos hormônios drospirenona e etinilestradiol, fabricada pela Bayer. Ela tomou o remédio durante três meses. Em seguida, sofreu uma embolia pulmonar. Isso acontece quando um coágulo formado em alguma veia do corpo chega aos pulmões e obstrui a passagem do sangue por uma artéria. As consequências foram gravíssimas: três paradas cardíacas, dois meses de internação, 40 dias em coma.
Quando finalmente acordou, Daniele era outra. Descobriu-se impotente, frágil. Não falava – fora submetida a uma traqueostomia, necessária para permitir a chegada de ar aos pulmões. Nem se movia – perdera muita massa muscular. Tudo, até mesmo a tarefa mais prosaica, tornou-se um obstáculo a superar: comunicar-se, comer, andar. O recomeço foi difícil – segue difícil. Ela ainda caminha com vagar e se cansa facilmente. Não dirige nem sai sozinha, mas já conseguiu se livrar da cadeira de rodas e da cadeira de banho. Os longos cabelos lisos caíram. Estão crescendo diferentes, “encaracolados como os de Reynaldo Gianecchini depois da quimioterapia”.
Restou uma sequela explícita e permanente. Daniele perdeu os dez dedos dos pés. Eles precisaram ser amputados por causa de uma necrose, provocada pelos medicamentos que a mantiveram viva. “Quando vi o empenho das pessoas para me salvar e me deixar com um dano mínimo, não lamentei a perda dos dedos”, diz. A lesão está sempre à mostra. No auge do verão carioca, Daniele comprou um vestido longo e estampado e uma sandália com duas faixas. As fitas que se ajustam sobre o peito dos pés permitem que ela ande sem perder o calçado. “A ausência dos dedos é parte do que sou. É uma lembrança do que superei”, diz. “Agora, vou lutar para que nenhuma outra mulher passe por isso.”
Nos últimos anos, os Estados Unidos e a Europa passaram a debater intensamente os riscos dos anticoncepcionais. É uma discussão que nasceu após surgirem relatos de efeitos adversos graves e de centenas de mortes, principalmente entre consumidoras das pílulas à base de drospirenona – substância sintética semelhante à progesterona, produzida pelo organismo feminino. Com leve ação diurética, ela ajuda na eliminação do sal. Além de evitar a gravidez, o produto, lançado nos Estados Unidos em 2001 e no Brasil em 2003, prometia reduzir a oleosidade da pele, evitar inchaços e atenuar sintomas da tensão pré-menstrual. Foi um sucesso global – até que se acumularam os relatos dos sérios efeitos colaterais. Sobrevieram os processos contra o fabricante. Até o ano passado, a Bayer havia pagado US$ 1,7 bilhão para liquidar 8.200 ações de pacientes e familiares na Justiça americana. Mais casos estão pendentes em tribunais estaduais e federais dos Estados Unidos.

>> Continue lendo esta reportagem em ÉPOCA desta semana
Os riscos da pílula anticoncepcional

Pesquisas mostram que contraceptivos de longo prazo, como o DIU, são mais eficientes na prevenção da gravidez – difícil é implantá-los

MARCELA BUSCATO
Mãe de três crianças, a carioca Elizângela Barbosa, de 32 anos, morreu em setembro num hospital de Niterói, no Rio de Janeiro. A causa da morte: aborto realizado numa clínica clandestina. Elizângela não tinha condições de cuidar de um quarto filho. Precisava voltar a trabalhar. O corpo da auxiliar administrativa Jandira dos Santos, de 27 anos, desaparecida em agosto, foi enterrado dias após a morte de Elizângela. Fora encontrado carbonizado dentro de um carro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Grávida de quatro meses, Jandira fizera o aborto em outra clínica ilegal. Tinha medo de perder o emprego por causa da gravidez, resultado de um relacionamento efêmero. A crueza das mortes chocou o país e reacendeu a polêmica sobre o aborto.
Se o debate se arrasta por décadas e parece longe do fim, uma nova safra de pesquisas, nacionais e internacionais, sugere um caminho para reduzir as chances de que outras mulheres se exponham ao sofrimento – e ao risco de perder a vida – enfrentado por Elizângela, Jandira e outros milhões de brasileiras. Uma pesquisa da Universidade de Brasília estima que 20% das brasileiras fazem aborto durante a vida reprodutiva.
Os novos estudos sugerem que contraceptivos mais seguros do que a pílula,   o método mais popular no Brasil, poderiam diminuir o número de gestações não planejadas. São três tipos de contraceptivos: um implante sob a pele que libera hormônios para impedir a ovulação e dois tipos de dispositivos colocados dentro do útero, mais conhecidos como DIU. Eles contêm cobre ou hormônio.  Tornam o ambiente intrauterino hostil ao encontro do espermatozoide com o óvulo. Considerados de longa duração, podem ficar no corpo entre três e dez anos (leia o quadro). Apesar das vantagens, são pouco usados no Brasil. Apenas 4,5% das mulheres usam DIU, e 0,4% implante. A pílula é o contraceptivo preferido de 71,3% das brasileiras, segundo levantamento realizado a pedido do Ministério da Saúde em 2006. “A oferta de opções contraceptivas não está na quantidade e no alcance necessário, como mostra o número de mulheres que engravidam sem planejar”, diz a epidemiologista Maria do Carmo Leal, da Fundação Oswaldo Cruz. Uma pesquisa coordenada por ela revelou que 55% das gestações no Brasil não são planejadas.
Um estudo publicado em agosto por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que os métodos de longa duração são uma ferramenta importante para evitar abortos. O uso do implante subdérmico, do DIU de cobre e do hormonal poderia ter evitado entre 1.056 e 1.412 abortos, em quase 21 mil mulheres atendidas em dez anos no Hospital da Mulher, da Unicamp. “Esses métodos não dependem de que a mulher se lembre de usá-los, como acontece com a pílula. Por isso, são altamente eficazes”, diz o ginecologista Luis Bahamondes, coordenador do estudo. As mulheres atendidas na Unicamp também usaram uma injeção hormonal a cada três meses. Ela reduz a chance de esquecer de tomar o medicamento, mas não a elimina inteiramente. Estatísticas internacionais sugerem que 6% das mulheres engravidam se há falha no uso. A segurança oferecida pelos DIUs e pelo implante é maior. Entre 0,2% e 0,8% das mulheres engravidam com o DIU nas falhas como o deslocamento do dispositivo. Para o implante subcutâneo, a gravidez é menor: 0,05%. Com a pílula, chega a 9%. Quase uma em cada dez se há erro no uso.
A impopularidade dos métodos de longa duração no Brasil começa pelo fato de apenas um deles – o DIU de cobre – ser distribuído na rede pública. O sistema intrauterino que libera hormônios e o implante subdérmico não fazem parte das opções oferecidas pelo Ministério da Saúde. Estão disponíveis apenas em consultórios particulares. O preço dos dispositivos, somado ao custo da colocação pelo médico, pode chegar a R$ 2 mil. A Agência Nacional de Saúde Suplementar determina que os planos de saúde cubram a colocação do DIU de cobre e do hormonal, mas não há exigência para cobertura do implante na pele. O oferecimento na rede pública aumentaria o acesso aos métodos de longa duração. “Já pedimos uma reunião com o Ministério da Saúde, para solicitar que sejam incluídos na política de planejamento familiar”, diz Marta Franco Finotti, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. 
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que a inclusão de novos medicamentos na rede pública depende da comprovação da eficácia e do custo-benefício.
>> ONG prevê para 2017 injeção anticoncepcional para homens
A eficácia está estabelecida por dados acumulados desde o lançamento do DIU com hormônio, na década de 1990, e de implantes, nos anos 1980. O custo-benefício foi calculado num estudo divulgado no mês passado por um pesquisador da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, em parceria com uma consultoria de mercado e uma empresa farmacêutica, patrocinadora do estudo e produtora do DIU hormonal e de uma marca de implante. Segundo o estudo, o preço dos métodos de longa duração equivalem a quase três anos do gasto mensal com contraceptivos de curto prazo, como a pílula, nos EUA. Como duram entre três e cinco anos, o custo final é equivalente ou menor.
Mesmo a existência do método de prevenção de longo prazo na rede pública não garante seu uso. É o que acontece com o DIU de cobre. Ele é distribuído pelo Ministério da Saúde, mas muitas mulheres reclamam que é difícil colocá-lo nas unidades básicas de saúde de seus municípios. “Quando procuram por esse método, são incentivadas a usar pílula ou preservativo”, afirma a educadora Simone Ferreira, da organização não governamental S.O.S Corpo, de Pernambuco, que promove ações educativas para formar lideranças femininas no Estado.
>> “Desafiei as estatísticas e tive três filhos depois dos 35”
O problema não acontece só em municípios de Pernambuco. A dona de casa Gleiciane Mota, de 23 anos, tentou colocar o DIU de cobre em postos de saúde de duas cidades diferentes do Estado de São Paulo: na capital e em Campinas, no interior. Não conseguiu. Na primeira vez, em São Paulo, Gleiciane acabara de ter o primeiro filho, Dylan, hoje com 4 anos. A médica disse que não fazia o procedimento e que ela deveria esperar por outro profissional. A fila era tão grande que, com medo de engravidar, Gleiciane aceitou usar as injeções trimestrais de anticoncepcional. Em razão de efeitos colaterais, trocou para a pílula comum. Seis meses depois, estava grávida do segundo filho, Aaron, de 1 ano e meio. “Eu sabia que me esqueceria de tomar, por isso queria o DIU desde o começo”, diz Gleiciane. Após o nascimento de Aaron, ela tentou colocar o DIU de novo, desta vez num posto de Campinas, onde mora atualmente. Também não conseguiu. A médica recomendou que ela pedisse a outra profissional. Ela estava de férias e, depois, saiu de licença. Gleiciane recorreu à Unicamp para colocar o DIU.
A dificuldade enfrentada por mulheres como Gleiciane se deve, muitas vezes, menos à falta do DIU de cobre na unidade de saúde e mais ao despreparo dos profissionais. “Pode acontecer de o médico não se sentir seguro para fazer o procedimento, por falta de experiência ou porque contraria seus valores religiosos. Então, ele encaminha a paciente a outro profissional”, afirma o ginecologista Adalberto Aguemi, médico da prefeitura de São Paulo. A agenda apertada dos médicos nas unidades de saúde também contribui para que optem por prescrever a pílula. É mais rápido do que colocar o DIU. “O ideal é marcar dois horários para fazer o procedimento”, diz a ginecologista Celina Sollero, responsável pela área de saúde da mulher da Secretaria de Saúde da prefeitura de Campinas. “Mas é difícil conseguir esses horários durante o período menstrual da mulher, quando o procedimento deve ser feito. Muitas unidades sofrem com a falta de ginecologistas.”
Outra barreira é a resistência ao uso do DIU. Problemas de saúde causados por um dos primeiros modelos a chegar ao mercado americano, na década de 1970, criaram mitos que duram até hoje nos EUA – e no Brasil. Pacientes americanas sofreram infecções graves, causadas pelo material usado no dispositivo pioneiro, chamado Dalkon Shield. Os casos levaram a empresa à falência e culminaram com o aperfeiçoamento dos modelos novos. O temor persiste. Muitas pacientes se recusam a usar. Ainda há médicos que resistem a prescrever para mulheres que nunca tiveram filhos, com medo de que a colocação seja difícil ou de uma possível infecção que cause infertilidade.
A publicação recente de estudos, que lembra uma campanha não declarada, tenta mudar a percepção pública sobre os métodos de longa duração. No final de setembro, a Sociedade Americana de Pediatria recomendou que os profissionais orientem adolescentes sexualmente ativas a usar o implante subdérmico, o DIU hormonal e o DIU de cobre como contraceptivos de preferência. No início deste mês, um estudo da Universidade de Washington reafirmou a segurança dos métodos para as jovens. Os resultados sugerem que a taxa de gravidez em 1.400 adolescentes que usaram um dos três métodos foi inferior à média nacional. Apenas 3,4% ficaram grávidas, em comparação com 15,9% das adolescentes do país. Menos de 1% fizeram abortos, enquanto a estimativa nacional é de 4%. “Como os métodos de longa duração são eficazes, há menos mulheres que engravidam sem planejar e, consequentemente, não há necessidade de um aborto”, afirma a epidemiologista Gina Secura, autora do estudo.
>> “Não sou uma mãe pior porque meu filho mora com o pai”
A adoção de contraceptivos de alta eficácia não protege contra doenças sexualmente transmissíveis nem é garantia de que gestações não planejadas deixarão de acontecer. Mesmo quando o uso é perfeito, há uma margem de falha do próprio método. Isso significa que o risco de abortos inseguros pode ser reduzido com os métodos de longa duração, mas não extinto. “Só planejamento familiar não resolve o problema do aborto”, diz a antropóloga Debora Diniz, pesquisadora de bioética e gênero da Universidade de Brasília. “Por que continuamos a punir uma mulher que sofreu uma falha do método, que errou ao usá-lo ou que tomou uma decisão equivocada?” O país precisa discutir com seriedade o direito das mulheres à escolha, mas não se pode esquecer que ele começa na possibilidade de acesso ao melhor método de contracepção, diferente de mulher para mulher.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.