Parece que Gutemberg de Paula foi o estopim que faltava para uma série de denúncias de árbitros esportivos.
Após suas incisivas denúncias na Rádio Jovem Pan, árbitros de voleibol também denunciaram situações indevidas em seu meio. E, ontem, um novo e importante episódio: árbitros do quadro da Federação Paulista de Futebol resolveram denunciar queixas de assédio moral, supostos privilégios a terceiros e possíveis apadrinhamentos.
Sobre essa denúncia aqui em SP, 5 coisas importantes:
1- Essa ação corajosa dos árbitros, evidentemente motivada pela atitude do ex-árbitro carioca da FIFA, poderia ser o começo de uma revolução que não pode parar? Estamos num momento onde as queixas nunca antes tornadas públicas começam a vir a tona, possibilitando novos horizontes menos ditatoriais? (Escrevi isso no artigo: “PRIMAVERA ÁRABE NO FUTEBOL BRASILEIRO EM PLENO VERÃO?” Em: http://is.gd/NOVOSTEMPOS).
2- Na matéria, percebe-se o porquê de muitos árbitros se calarem. O próprio título fala do silêncio necessário para subir na carreira. A submissão não é vista nem sabida pelo torcedor, que não imagina a dificuldade dos árbitros de menor expressão.
3- Claro que todas as queixas devem ser apuradas, embora, no meio da arbitragem elas sejam conhecidas. Não há novidade para os árbitros. E isso só reforça uma situação delicada: a incompatibilidade de cargos dos dirigentes, seja em São Paulo, Rio de Janeiro ou qualquer outro lugar. Como um presidente de entidade de defesa do árbitro pode ir em defesa do associado contra uma situação questionada quando esta se refere a um membro da Comissão que é o próprio dirigente da entidade? Samba-do-crioulo-doido…
4- A meritocracia é algo subjetivo. Como entidade de direito privado, a Federação Paulista tem o direito de promover ou rebaixar qual árbitro quiser, sem dar satisfação à sociedade. E, por este conceito, deveria inclusive assumir os custos da profissionalização dos árbitros, o que não ocorre e ela não deseja (ao menos, não quer ser a responsável). Se assim fosse, FGTS, férias, salário mensal, Pis, Cofins, 13º e outras coisas mais deveriam ser pagos. Os árbitros são cobrados como profissionais, mas não remunerados como tal. Entretanto, por divulgar processo de promoção e punição, por tratar de um patrimônio histórico imaterial (o futebol), e pela metodologia adotada, deveria sim dar satisfação e respeitar os critérios estabelecidos.
Ora, estamos em 12 de janeiro, e o Ranking 2012, que no regulamento consta que deveria ser divulgado em dezembro de 2011, ainda não foi ao ar. Não é justo que os árbitros reclamem ao Sindicato ou à Cooperativa que os representa? Fazem isso? Se não, quais os motivos?
5- Que espécie de ranking que não tem pontuação? A quantos pontos está distante o 2º colocado para se tornar o número 1 do quadro? Por quê a colocação de cada um não é divulgada para a imprensa?
Vale a pena dar uma conferida na excepcional reportagem. Abaixo:
Extraído de: Marca Brasil, 12/01/2012, pg 20-21
SILÊNCIO EM TROCA DA ASCENSÃO NA ARBITRAGEM
Juízes dizem que só crescem se apitarem jogos de séries inferiores em que até perdem dinheiro
Por Daniel Carmona
Na esteira das acusações de Gutemberg de Paula Fonseca, árbitros de São Paulo ganharam coragem para questionar a forma como os chefes da Federação Paulista de Futebol (FPF) tratam a escala. De acordo com Davi Balsas e Jeimes Willie Catini, só chega ao primeiro escalão quem se submete a perder dinheiro e se arriscar em jogos de campeonatos amadores e de séries inferiores, cuja arbitragem também é comandada pelos que escalam para a Série A1 do Paulista. O silêncio sobre os problemas é imperativo para a ascensão.
“Você mantém um sonho quando está arbitrando, evita falar publicamente, expor os problemas e as mazelas da entidade. Até por orientação da Federação, um árbitro não pode falar”, explica Jeimes, 33 anos, de Araras. A declaração ajuda a entender as denúncias de Gutemberg. Criticado por não ter falado quando pertencia ao quadro da Fifa, o ex-árbitro promete divulgar em breve as provas que diz estar apresentado sigilosamente à Justiça desde 2007.
“Os árbitros não querem se comprometer com os dirigentes. Todo mundo vive a expectativa de chegar ao topo da carreira. Por isso existe esse silêncio”, afirma Davi, 29 anos, na FPF desde 2006. Dia 2 de outubro, ele foi escalado para jogo do campeonato amador de São Paulo, em Brodowsky (Brodowsky x Sem Segredo). Alegando problemas financeiros, já que pagaria para trabalhar, pediu dispensa. Por conta de uma pancadaria generalizada o jogo, que acabou sendo apitado por Gustavo Turra, terminou no 1º tempo, de acordo com súmula no site da Federação. Junto com a partida, terminou também a carreira de Davi.
Em novembro, ele saiu de Campinas para reunião na capital com Arthur Alves Junior, um dos diretores da arbitragem e braço direito do Coronel Marinho, chefe da comissão. Em pauta, a razão de seu desligamento. “Fiz os cálculos e vi que o dinheiro que receberia (R$ 188) mal dava para pagar o deslocamento e a alimentação”, diz ele, que andaria, em um dia, 500 km, ida e volta — isso se economizasse na diária de um hotel. Só de gasolina e pedágio, saindo de Campinas, ele gastaria R$ 200.
No encontro, Davi recebeu uma recomendação de Arthur. “Ele disse: ‘Faça uma carta para o Coronel Marinho se humilhando. Vai dar tudo certo. Mas quero deixar claro que seu caso vai servir de exemplo para os demais. Quero você falando bem de mim depois’”. Pensando em preservar anos de investimento e trabalho, fez o combinado. O retorno ao quadro, no entanto, nunca aconteceu e ele decidiu fazer a denúncia.
“Os responsáveis pela arbitragem ganham as licitações de campeonatos amadores e a gente tem que se virar para trabalhar. Mas aí você nega e eles te desligam do sistema. Te colocam na parede para servir de exemplo aos colegas. É assim que funciona”, finaliza. Jeimes condorda: “É um jogo, mas não dá para entender os critérios”.
CENTRALIZAÇÃO: Chefe do apito tem presença forte em quatro órgãos
“Em quem nós podemos confiar? Vamos reclamar para quem?”. A indagação de Davi está pautada na hierarquia das entidades que comandam a arbitragem paulista. Segundo os árbitros, as entidades são administradas pelas mesmas pessoas. “O Arthur (Alves Junior) é responsável pela escala dos árbitros da FPF, é o presidente do Sindicato dos Árbitros (Safesp) e tesoureiro da Cooperativa dos Árbitros (Coafesp). Você fala de um lado, o outro escuta”, pondera Jeimes. Sucessor de Sérgio Corrêa na presidência do Sindicato dos Árbitros, Arthur também ocupa a cadeira de Secretário Geral da Associação Nacional dos Árbitros (Anaf).
“Tem muita coisa errada. Desde a metodologia aplicada aos árbitros no ranking, até o acumúlo de cargos com motivação política de alguns diretores do apito”, pondera ex-árbitro Rafael Porcari, que há anos mantém um blog no qual debate sobre as irregularidades do meio.
OUTRO LADO: Dirigente nega conflito
A reportagem entrou em contato com Arthur Alves Júnior, principal alvo das acusações, que garantiu não existir conflito (ou convergência) de interesses no acúmulo de suas funções. “Não prejudico ninguém. O Sindicato dos Árbitros existe porque a Federação dá um apoio. Se isso não acontecer, o sindicato já teria fechado. O dia que eu me sentir em uma posição conflitante, aí vou sair da comissão de arbitragem (da FPF)”, disse ele, que em seguida completou: “Como presidente do Sindicato dos Árbitros, tenho conseguido fazer muito mais coisas dentro da comissão de arbitragem do que antes. O processo funciona com transparência”.
Na presidência do Sindicato dos Árbitros, Arthur é o sucessor de Sérgio Corrêa, atual chefe da comissão de arbitragem da CBF, e acusado de corrupção e favorecimento por Gutemberg de Paula Fonseca em declarações à rádio ‘Jovem Pan’ na semana passada.
