Parece ser o novo eldorado do futebol mundial. E como em todos os lugares do mundo, também na China os brasileiros têm a simpatia dos torcedores.
Conhece o Shandong? Veja as curiosidades do dia-a-dia dos jogadores.
Extraído de:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/162441-china-brazuca.shtml
CHINA BRAZUCA
Com 12 brasileiros, como Vagner Love, o time chinês Shandong paga bem, mas cobra muito
Por Marcelo Ninio
“Lo fu”, “Lo fu”, gritam jovens vestidos com a camisa laranja do Shandong Luneng, a nova sensação do futebol chinês. “Lo fu” é como sai na pronúncia local o nome do atacante brasileiro Vagner Love, camisa 10 e principal estrela da equipe.
Torcedor-símbolo do time, o fanático e rechonchudo Wang Da Quan tem estampados na camisa os rostos dos reforços brasileiros.
Com um megafone, repete os nomes na porta do Estádio Olímpico de Jinan, onde o Shandong Luneng se prepara para mais uma partida do campeonato chinês.
O atacante Aloísio, ex-São Paulo, é conhecido como “Ye Niu” (búfalo selvagem, versão chinesa para boi bandido), o técnico Cuca é “Cu Cá” e o volante Júnior Urso, ex-Coritiba, virou “Wu Suo”.
“Adoramos o futebol brasileiro e confiamos no Cu Cá!!”, reverbera Wang entre gritos de kung fu em seu alto-falante particular, montado num patinete elétrico.
Enquanto os torcedores chineses dobram a língua e reinventam os nomes de seus novos ídolos, os brasileiros se desdobram para traduzir os segredos da bola aos chineses. Tarefa árdua, movida a muito dinheiro.
Atraída por salários milionários, uma legião de brasileiros nunca vista na China desembarcou há poucos meses em Shandong.
A província, no sudeste do país, é conhecida por ser a terra natal do filósofo Confúcio e o local de origem da primeira versão do futebol, há mais de 2.000 anos.
Mas o que interessa aos dirigentes do Shandong Luneng é o futuro, e eles têm pressa em ver resultados.
Propriedade de uma estatal de energia elétrica, o time foi o que mais investiu nesta temporada do futebol chinês, mais de R$ 80 milhões.
“Não tem xingamento, nem torcedor querendo nos bater em aeroporto, mas quando há um tropeço sou chamado para uma conversa com o chefão. Não tem essa história de paciência oriental”, diz Cuca.
O treinador compara o investimento feito hoje pela China ao que ocorreu nos anos 1990 no Japão, quando a chegada de Zico e outros brasileiros marcou a ascensão do futebol do país. “Isso também vai acontecer aqui”, afirma o técnico.
Das preleções às broncas na beira do gramado, Cuca e os demais preparadores dependem de um tradutor para tudo. Mas a maior dificuldade é ensinar aos chineses a malandragem brasileira.
“Eles são muito tímidos”, diz Cuca. “E falta malícia. Não sabem ganhar uma falta, só caem quando a porrada é muito forte”.
Há três meses no cargo, Cuca já é alvo de críticas da imprensa local, que questiona se ele vale o salário mensal de R$ 1,5 milhão, considerado o mais alto já pago a um treinador brasileiro.
A expectativa está à altura do investimento. No contrato de Cuca, uma cláusula estipula que o time deve ser campeão mundial interclubes até 2016. Ou seja, fazer o que ele não conseguiu com o Atlético-MG em 2013.
A meta é repetir o sucesso do maior rival, o Guangzhou Evergrande, de Cantão. No ano passado, sob o comando do treinador italiano Marcello Lippi, o time sagrou-se tricampeão chinês e venceu a Liga dos Campeões da Ásia, com atuações decisivas dos brasileiros Muriqui e Elkeson e do argentino Conca.
Vagner Love, o primeiro da nova onda brasileira a chegar a Shandong, no ano passado, conquistou rapidamente o torcedor com seu jeito irreverente e seis gols em dez jogos no fim de 2013.
Love diz não sentir a pressão. “Pode até ter, mas como não entendo o que eles falam, não fico sabendo”, ri Vagner, que foi trazido do CSKA Moscou por R$ 19 milhões, na transação mais cara feita pelo Shandong.
No último sábado, só deu Love na vitória do Shandong fora de casa contra um de seus principais rivais, o Beijing Guoan. Agradecida, a torcida já aprendeu e canta o sucesso de Claudinho e Buchecha: “Só love, só love…”.
LOST IN TRANSLATION
Para implantar sua filosofia na terra de Confúcio, Cuca cercou-se de compatriotas. No total são 12 brasileiros no Shandong, incluindo três jogadores e nove preparadores, além do meia argentino Montillo, que jogou no Santos.
A invasão verde e amarela mudou a cara e os costumes do time. Nos corredores do moderno centro de treinamento, quadros digitais informam em português e chinês a programação do dia.
Um batalhão de dez tradutores foi convocado para ajudar os brasileiros e suas famílias em Jinan, capital da província de Shandong.
“Poucos clubes do Brasil oferecem essas condições”, diz Luiz Alberto Rosan, fisioterapeuta da seleção brasileira desde 1998 e um dos membros da comissão técnica montada por Cuca.
Como todos os outros brasileiros, Rosan vive às voltas com confusões provocadas por enganos na tradução.
Recentemente, examinou um dos jogadores chineses que se recuperava de uma lesão e disse que ele já estava pronto para receber alta. Misteriosamente, o jogador desapareceu.
“O tradutor não sabia o que era alta e disse ao jogador que ele tinha que melhorar de nível. Por isso ele sumiu do time, para voltar em mais alta forma”, relembra Rosan. “Mal-entendidos como esse são comuns”.
FALTA DE LAZER E POLUIÇÃO INCOMODAM
Com humor negro, torcedores do Shandong dizem que a cor laranja do uniforme do time é para facilitar a visão dos jogadores no meio da poluição.
Uma névoa densa cobria o estádio de Jinan quando foi dado o pontapé inicial do jogo entre o Shandong Luneng e o Hangzhou Greentown, no sábado.
Naquele momento, Jinan estava em primeiro lugar no ranking das cidades mais poluídas da China, com índice dez vezes superior ao máximo recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde).
A poluição não deteve o time laranja, que venceu por 2 a 0, com um golaço de Vagner Love.
Para os brasileiros que desembarcaram em Jinan, a poluição nem é considerada o maior problema. O pior é a falta do que fazer.
Atraídos por salários que multiplicaram por quatro ou cinco o que ganhavam no Brasil, jogadores e preparadores se mudaram de vez já com contrato assinado, sem saber para onde estavam indo.
Alguns vieram com a informação de que Jinan é uma cidade pequena. Ao chegarem, descobriram que na China uma cidade com 6 milhões é considerada pequena.
O ritmo chinês impressionou. “É a primeira vez que vejo uma cidade com mais prédios em construção do que já construídos”, disse Maiara, 25, filha de Cuca.
