– Interessexualidade no Esporte

 

Que caso curioso. As agências desportivas discutem até onde “mulheres realmente são femininas” para poder liberar a disputa desses casos considerados extraordinários em competições mundiais.

 

Extraído de: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI89198-15228,00-CASTER+SEMENYA+ELA+E+MINHA+MENINA+DIZ+PAI.html

 

Caster Semenya: “Ela é minha menina”, diz pai.

 

Por André Fontenelle

 

O caso da corredora acusada de ser homem mostra que o esporte aprendeu a lidar com a intersexualidade

 

Homens e mulheres competem separadamente na maioria dos esportes, salvo aqueles em que a superioridade física masculina não é decisiva para o resultado, como a equitação e o automobilismo. Casos como o da sul-africana Caster Semenya mostram, porém, que mesmo uma divisão tão natural tem limites. Desconhecida até em seu país apenas semanas atrás, Semenya, de 18 anos, chocou o mundo do esporte ao vencer facilmente a prova feminina de 800 metros no Campeonato Mundial de Atletismo, em Berlim. Sua história roubou um pouco da atenção em torno do fenomenal Usain Bolt, que quebrou os recordes masculinos dos 100 e dos 200 metros (leia texto).

A ambiguidade sexual de Semenya é evidente – voz grave, rosto masculino, pelos no rosto. Nascida em um vilarejo miserável do norte da África do Sul, ela passou a infância enfrentando gozações dos colegas de escola. O esporte foi uma forma de se vingar das humilhações. Ironicamente, seu sucesso levou a uma exposição pública igualmente vexatória. O público alemão reagiu à sua vitória com um silêncio constrangido. As adversárias murmuraram palavras de descrédito.

 

Semenya tem voz grave e pelos no rosto. Passou a infância
ouvindo gozações por sua masculinidade

 

O pai de Semenya saiu em defesa da filha. “Ela é minha menininha. Sei disso porque a criei.” Outras corredoras disseram já tê-la visto nua no vestiário e confirmaram ser uma mulher. Mas do ponto de vista atlético a evidência visual não é suficiente. Há diversas formas de intersexualidade, e atletas que se sentem mulheres, mas produzem testosterona como homens. Nessas raras situações, cabe às entidades que governam o esporte decidir.

Até o momento, a Federação Internacional de Atletismo (Iaaf) agiu de forma corretíssima. Primeiro, ao não tratar o caso como uma possível trapaça. É evidente que Semenya não é um homem que se faz passar por mulher. Segundo, ao evitar alarde. Só quando foi provocado pelos jornalistas o secretário-geral da Iaaf abordou a controvérsia. “Precisamos protegê-la”, explicou Pierre Weiss. Por fim, ao ressalvar que mesmo que Semenya seja desclassificada isso não faz dela um homem: “Testes genéticos são complexos”, disse Weiss. A decisão deverá levar algumas semanas.

A polonesa Stella Walsh, campeã olímpica dos 100 metros em 1932, tinha genitália masculina – descobriu-se quando de sua morte –, mas viveu toda a vida como mulher. Por casos como esse, e outros de pura e simples fraude, até a década passada toda atleta olímpica precisava comprovar a feminilidade, por um teste de cromossomo. Isso era humilhante para as mulheres. Por isso hoje o teste só é feito em casos específicos. Ficou famoso no Brasil o da judoca Edinanci Silva, cuja participação nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, foi posta em dúvida. Pouco antes da competição, Edinanci foi submetida a uma cirurgia reparatória, mas a dúvida sobre sua feminilidade permanecia. O Comitê Olímpico Internacional decidiu mesmo assim autorizá-la a competir: acima da questão esportiva, estava o lado humano. Eliminar Edinanci – que viria a disputar quatro olimpíadas – destruiria tudo por que ela lutara. Esse parece ser o mesmo caso de Caster Semenya.

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