Trago um belo texto da FEA (Faculdade de Economia e Administração)-USP, a respeito da questão “sustentabilidade“ estar se tornando cada vez mais um dos tópicos de responsabilidade social discutidos pelas organizações:
Extraído de: http://www.usp.br/feamais2/leitura.php?i=199
Ingresso da sustentabilidade social na pauta das empresas redefine cenário dos negócios
Por Claudia Gasparini
A complexidade dos mecanismos sociais e a dificuldade de se lidar com eles frequentemente entra em conflito com a urgência em articulá-los de forma sustentável. Em outras palavras, apesar de imprescindível para a conquista da sustentabilidade, o vértice social oferece também desafios sem paralelos. No entanto, de acordo com Annelise Vendramini Caridade, doutoranda em Administração pela FEA, professora e consultora de empresas, as decisões corporativas estão submetidas a uma certa lógica do sistema econômico que dá sinais de mudança, ainda que de forma lenta. “Podemos fazer uma analogia entre o sistema econômico global e um transatlântico: é possível mudar a direção de ambos, porém mudanças de rota não acontecem subitamente, são processos demorados”, propõe Annelise, que atua em gestão estratégica para a sustentabilidade e finanças sustentáveis, além de se dedicar à pesquisa do mesmo tema no PROGESA (Programa de Gestão Estratégica Socioambiental), núcleo vinculado à FIA (Fundação Instituto de Administração).
Não obstante a dificuldade de se reprogramar o sistema, especialmente para se incorporarem adequadamente os custos sociais e ambientais das atividades produtivas, os caminhos da sustentabilidade têm sido perseguidos pelas organizações. Annelise destaca o espaço crescente dos Relatórios de Sustentabilidade e a sua padronização pela GRI (Global Reporting Iniciative). Ela vê um sinal muito positivo no fato de que, no Brasil, tem crescido muito o número de empresas que publicam relatórios anuais de acordo com os padrões da GRI. “Embora ainda haja um caminho a percorrer na busca pelo aperfeiçoamento desses relatórios, essa prática é muito interessante porque revela que as empresas estão aplicando o conhecimento adquirido na publicação dos tradicionais relatórios financeiros, os chamados Relatórios Anuais, para a comunicação de suas práticas socioambientais”, afirma.
Annelise acredita que a questão social entra cada vez mais na pauta das empresas, mas muitas vezes como filantropia, algo que não está ligado necessariamente à estratégia da empresa. “No entanto, compreender que toda atuação empresarial tem um impacto relevante nas comunidades e gerir isso de uma forma responsável são posturas importantes para os negócios, ou seja, existe uma relevância estratégica na ação social, mesmo a de caráter assistencialista, que não pode ser ignorada”, comenta.
De acordo com a doutoranda da FEA, as empresas existem porque a sociedade lhes assegura a licença para operar. Porém, de forma mais acentuada desde a década de 1970, as sociedades estão mais críticas em relação à forma de atuação das corporações. “Quando a empresa apresenta uma postura responsável e faz uma boa gestão de stakeholders, ela está zelando para que essa licença concedida pela sociedade permaneça válida no longo prazo”, diz Annelise. Dessa forma, se uma organização não se preocupa, por exemplo, com o bem-estar de uma comunidade que habita o entorno de suas instalações, essa relação conturbada pode em algum momento explodir e gerar vozes contrárias à existência da organização. Por outro lado, relações harmônicas criam um ambiente estável tanto para a organização como para a sociedade. “Reações negativas, que construam uma imagem desfavorável da empresa, tem a longo prazo um impacto forte sobre as operações e sobre o lucro”, explica.
Adaptação
Annelise acredita que várias corporações estão se estruturando para atender a essa nova pressão da sociedade, sobretudo as de grande porte, criando departamentos de Sustentabilidade e investindo em novos projetos na área. “Trata-se de uma forma de tentar transportar esse tipo de preocupação para o âmbito da competitividade”, diz a doutoranda. As empresas menores, com menos recursos de estrutura, têm investido, em filantropia, no intuito de ao menos não ficarem alheias a essa cobrança.
Ela também chama atenção para a existência de muitas empresas cuja preocupação social não transcende o âmbito do discurso. Trata-se de uma demanda recente e difícil de ser atendida, na opinião de Annelise. Assim, as organizações sentem a pressão da sociedade mas nem todas sabem como transformar essas requisições em prática. “Muitas ainda não sabem como fazer isso de forma estratégica e não conseguem alinhar o discurso com a prática”, comenta. O risco de ser pego numa inconsistência ou incoerência ética é muito grande, o que confirma a importância de uma gestão de comunicação transparente.
Os esforços em direção à sustentabilidade ainda estão distantes do ideal. “Ainda há muita divergência sobre o que é o ideal ou como alcançá-lo, e por esse motivo este é um momento de aprendizado para todos”, diz Annelise.
É o mesmo que afirma Monica Bose, coordenadora de projetos e pesquisadora do CEATS (Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor), ligado à FIA. Ela ilustra sua opinião esclarecendo uma frequente confusão conceitual. “Uma visão muito mal lapidada no meio empresarial é a de que o discurso sobre sustentabilidade seria uma evolução natural das discussões anteriores sobre responsabilidade social”, diz. Ela explica que, baseadas nessa suposição, várias organizações mudam o nome sua antiga área de Responsabilidade Social para Sustentabilidade. O equívoco está em achar que ambos os termos correspondem ao mesmo conceito. Segundo Monica, doutoranda e mestre em Administração pela FEA, o conceito de sustentabilidade, do ponto de vista organizacional, diz respeito ao impacto em larga escala do negócio sobre a sociedade e sobre o planeta. Já a responsabilidade social trata do espectro mais próximo da empresa, isto é, o respeito que a organização deve aos públicos que estão em seu entorno.
A adaptação das corporações às demandas de sustentabilidade também enfrenta outro desafio: a balança entre o lucro e a justiça social. “Acho que muitos CEOs estão com essa preocupação na cabeça hoje em dia. É uma questão muito difícil”, diz Monica. A pesquisadora do CEATS defende que a busca cega pelo lucro na forma como existe hoje é insustentável, por implicar a degeneração do meio ambiente e a manutenção de desigualdades. “Tais externalidades são conhecidas e essa busca precisa ser repensada”, afirma. Ela diz que já existem iniciativas de um capitalismo mais “social”, em que algumas empresas abrem mão de parte do seu lucro em prol de uma cadeia de geração de valor mais sustentável. Há muitos casos de organizações assim no Brasil e no exterior. “O problema é que isso teria de ser aplicado em escala planetária e como concretizar essa transformação é um desafio”, assinala Monica.
Definição de papéis
Para Annelise, é válida, para o caso brasileiro, a afirmação de que, algumas vezes, as empresas estão preenchendo uma lacuna deixada pelo Estado quando investem em projetos sociais. “Às vezes o governo não é tão ágil para resolver problemas nos quais as organizações têm a capacidade de interferir”, explica.
Monica, por sua vez, acredita que é o terceiro setor que assume algumas atividades que teoricamente deveriam ser prestadas pelo Estado, cumprindo funções de assistência social e atendendo a demandas da população mais carente que não tem acesso a serviços públicos de qualidade. “Não se comprovou até hoje que o Estado seja um ator suficiente para promover o desenvolvimento social e ambiental sustentável”, diz.
A resposta, para a pesquisadora do CEATS, está nas parcerias intersetoriais. Enquanto o Estado zela por políticas públicas de maior qualidade e eficiência, o terceiro setor traz sensibilidade para o quesito social e ambiental, muitas vezes acirrando discussões sobre esses temas. Já as empresas cumprem seu papel seja pelo apoio ao desenvolvimento de tecnologias de inovação, ou mesmo oferecendo sustentação financeira. “Por meio dessa complementação de competências, é possível produzir frutos interessantes e inovadores no que diz respeito à sustentabilidade”, completa Monica.
