Na carreira de um árbitro, muitas dificuldades são postas à prova. Desde a desconfiança de torcedores e dirigentes até às próprias limitações e capacitações do indivíduo enquanto árbitro.
Por ser tão polêmico (e talvez por isso tão popular, segundo a retórica do ex-presidente da FIFA João Havelange), o futebol permite que paixões sejam discutidas com fervor muitas vezes inimagináveis.
Nesta última rodada do Campeonato Brasileiro, ao ouvir o programa Esporte em Discussão da Rádio Jovem Pan AM 620 (SP), percebo que uma discussão ganhou corpo, e que ela interessa a nós que militamos na arbitragem, como ponto de estudo e discussão: a aplicação da lei da vantagem ao invés da marcação do Tiro Penal, além do uso da tecnologia nos lances de polêmica (este último tema discutiremos em outra oportunidade).
Pesquisando a opinião de pessoas do mundo futebolístico na blogosfera, deparo-me com o Blog do Fernando Sampaio, bom e respeitado jornalista da já citada Rádio JP, cuja opinião incisiva e interessante foi, digamos, “bombardeada” em sua página, desde os elogios corretos às mais fervorosas críticas. (aproveite e acesse à direita deste blog o link de Fernando Sampaio em Favoritos).
E é esse assunto que gostaria de debater: a Vantagem no Tiro Penal. É claro que não citarei nomes de árbitros ou lances recentes, até mesmo para não fugir da ética. Entretanto, parece que um dos conceitos mais massificados é de que “em pênalti, não existe vantagem”.
Quem disse isso, e onde esta recomendação está no livro de regras?
Claro, antes de ser criticado por você que me lê, vamos separar em dois pontos esse assunto: o texto da regra que permite a aplicação da lei da vantagem e a praticabilidade da mesma.
Precisamos sempre lembrar que a Regra 5 – o Árbitro, em Poderes e Deveres, no seu 11º parágrafo, diz que o árbitro “permitirá que o jogo continue, se a equipe que sofreu uma infração se beneficiar de uma vantagem, e punirá a infração cometida inicialmente se a vantagem prevista não se concretizar naquele momento”. No mesmo livro, adiante, em Interpretação das Regras do Jogo e Diretrizes para Árbitros, no subtópico Aplicação da Vantagem, diz que “o árbitro poderá aplicar a vantagem sempre que se cometer uma infração. Para tanto, deverão considerar as seguintes circunstâncias na hora de aplicar a vantagem ou paralisar o jogo:
1) A gravidade da infração; se a infração merecer uma expulsão, o árbitro deverá paralisar o jogo e expulsar o jogador, a menos que haja uma oportunidade imediata de marcar um gol.
2) A posição onde a infração foi cometida: quando mais próxima a meta adversária, mais efetiva será a vantagem;
3) A oportunidade de um ataque imediato e perigoso contra a meta adversária;
4) O clima da partida.”
Assim, deixar de marcar tires livres (indiretos, diretos ou até mesmo penais) é permitido. Porém, para que isso ocorra, deve-se levar em conta a regra. E interpretando-a, somos convidados a pensar: vale a pena, se na área penal o atacante sofrer uma infração, permitir a conclusão da jogada pelo motivo do seu companheiro ter a posse de bola? Sinceramente, entendo (juntamente com 99% dos árbitros) que a vantagem é marcar o pênalti, a não ser que a bola sobre sozinha para o atacante, com o gol aberto, “pedindo para ser chutada”. Tal consideração atende às 3 primeiras recomendações da interpretação da regra, que na sua essência diz: privilegiar a marcação do gol. E na maioria das “possíveis vantagens de infrações dentro da área”, a iminência do gol está na marcação do pênalti.
Uma ressalva: como já alardeado, a posse de bola não significa necessariamente vantagem. Vide lances em que os clubes possuem bons batedores de faltas! Uma tabela entre os atacantes na entrada da área pode não ser tão vantajosa quanto à marcação de uma falta. E aí lembramo-nos de que nós, árbitros, podemos inconsciente confundir a agilização do jogo e a dinamização da partida deixando o jogo correr (como devemos fazer), mas no momento errado, caindo até mesmo no erro de beneficiar o infrator.
Resumidamente, existe, à luz da regra do jogo, vantagem no pênalti. Mas a praticabilidade da mesma é quase nula pelas circunstâncias defendidas pela própria regra.
Por fim, dizer que “não há vantagem no pênalti”, insere tal frase naqueles já combalidos e errôneos mitos, como que “bateu na barreira tirou o impedimento”, “bola prensada é da zaga”, na “dúvida a bola é da defesa” e “apareceu, levanta a bandeira”.
Finalizando, confesso que acertar um lance de vantagem e na seqüência ver um gol saindo pela correta interpretação da regra, dá vontade de comemorar efusivamente por dentro. Mas esse desejo de “dar vantagem” deve ser tolhido pela racionalidade e frieza na análise da jogada. Detalhe: sempre na fração de segundos…
Obs: sei que tais trocas de experiências podem ser batidas à alguns amigos, mas árbitros iniciantes e interessados têm na nossa discussão um espelho alternativo e educativo. Claro, desde que nossa conversa não saia do ambiente respeitoso e das orientações das Comissões de Arbitragem as quais nós nos subordinamos, sempre com a fidelidade da Regra e Espírito do Jogo.
