Repercutiu bastante na Espanha a fala do ex-árbitro da FIFA Iturralde González, colocando a arbitragem espanhola em discussão.
Em entrevista à rádio Cadena SER, disse sobre os árbitros:
“90% [dos juízes de futebol] torcem pelo Real, 10% pelo Barcelona. Quer os torcedores do Barça gostem ou não, 70% da população espanhola, excluindo a Catalunha, torce pelo Real Madrid. Agora, há mais torcedores do Barça porque os jovens viram os títulos sob o comando de Guardiola. Mas antes da “Era Messi”, quantas pessoas na Espanha torciam pelo Real Madrid? Cerca de 70% Quanto a mim, não me interessam nem o Real, nem o Barcelona, sou Athletic Bilbao e todo mundo sabe disso. Mas, na ânsia de ser justo, acabei os prejudicando algumas vezes“.
Acho isso preocupante e desnecessário. Mas é só um ponto de vista (o meu, óbvio). Respeito quem queira revelar seu time do coração, mas depois tem que arcar com as consequências (pessoais e para a categoria).
Primeiro, falemos de jornalistas e seus clubes, depois dos árbitros:
1- Quando um jornalista revela o seu clube, ele pode fazer por diversas razões: para acabar com especulações, para ser transparente na sua relação com o seu seguidor, ou, ainda, para direcionar um trabalho profissional (se especializar numa equipe, por exemplo). É muito importante ressaltar que revelar seu time, não faz o profissional mais competente ou menos correto, isso independe. O grande incômodo pode ser o fanatismo do torcedor do time rival, que não aceita comentário por achar supostamente que determinado jornalista use o coração (afinal, esse tipo de irracional costuma ser um tremendo hater).
2- Quando um árbitro revela seu time, aí é mais complicado. Na ativa, impossível manter a carreira em paz (se é que ela terá prosseguimento, caso o faça). Se aposentado, aí vão querer puxar pela lembrança algum jogo polêmico para dizer que “apitou com o coração“. Ou, ainda, se vira comentarista de arbitragem… sai de baixo!
Conto “a minha experiência”:
Todo mundo que gosta de futebol, tem o seu time do coração. E qual criança apaixonada por futebol não terá? E qualquer jovem do Interior Paulista tem sempre dois times: o da sua cidade (o meu, o querido Paulista FC, o Galo da Japi, Tricolor da Terra da Uva, orgulho de Jundiaí) e um time grande (que me reservo a permanecer guardado). Exceto, evidentemente, os interioranos de Campinas, por motivos lógicos.
Quando você entra para o futebol profissional, a Federação local tem no seu cadastro o seu time (quem coloca que não tem, não apita – e era assim nos 90). Não quer dizer que você não será escalado em jogos dele, é apenas para uma observação / estatística / resguardo. E a minha preocupação sempre foi: quando eu apitar um jogo do meu time, como procederei? O problema nunca foi “favorecer”; ao contrário, era de evitar “prejudicá-lo inconscientemente”, no ímpeto de me mostrar honesto. E isso normalmente vai acontecer na categoria de base, quando você terá contato pela primeira vez com algum dos 4 grandes paulistas.
E no dia que aconteceu… foi maravilhoso! ZERO preocupação se um dia torci para aquele time, era o time X contra o Y, e assim foi. E fica a consideração, que ganhei com a experiência: árbitro não tem time, árbitro torce para ele próprio, pela sua carreira, para ter mais escalas! Não existe, no futebol profissional, árbitro que num clássico dê um pênalti ao seu time de infância, de maneira injusta e por vontade que ele vença. Até porque, sabemos e vemos, todos os times grandes pressionam, reclamam, pedem veto de vários nomes e não dão sossego ao juiz. Como torcer?
Isso ficou bem claro a mim, quando pela primeira vez apitei um jogo no estádio do clube mandante que eu torcia (Pacaembu, Palestra Itália, Morumbi ou Vila Belmiro). O presidente do clube chutava a porta do vestiário e xingava (essa irá para meu livro de causos): “Deus é grande, seu f***o da p**a, se Deus quiser você capota na Anhanguera e não chega vivo em Jundiaí, seu morf****o”. Os demais membros da minha equipe de arbitragem, quando me encontram, recordam dessa história… e ficou a questão: como um dia, eu pude torcer para esse time?
Enfim: não há perigo de árbitro favorecer o time de infância. O risco maior, confesso, foi quando eu estive escalado no Estádio Jayme Cintra, em Jundiaí. Quem é do Interior, não pode trabalhar em time da sua cidade, por questão ética da FPF (os árbitros da Capital não são submetidos a isso). Por 3 vezes (Paulista x Santo André, Paulista x Mogi Mirim e Portuguesa x Paulista) fui escalado como 4º árbitro, e comuniquei à FPF que eu não poderia. Mesmo assim, a escala foi mantida (e o complicado foi: os torcedores xingavam o árbitro e gritavam o meu nome, pedindo para eu trocar de lugar com ele – e tal “intimidade” incomodava o adversário). No Canindé, contra a Lusa um fato hilário: quando entrei em campo, amigos da torcida do Paulista gritaram meu nome. Wilson Luís Seneme, o árbitro, ficou constrangido…
No pós-carreira, muitos árbitros voltam a torcer, pois gostam de futebol. Outros (como eu), acabam se interessando mais pelo futebol e suas nuances diversas e acabam torcendo não mais para clube, mas para amigos (separando o trabalho profissional das amizades, ainda assim).
Eu sempre fui ao Jayme Cintra assistir jogos com meu pai na geral e depois nas cativas (meu jogo inesquecível foi Paulista 1×0 Palmeiras de São João da Boa Vista, pela divisão intermediária, com gol do Ricardo Diabo Loiro); apitei jogos-treinos e amistosos (incluindo alguns internacionais: Paulista x Rubin Kazan da Rússia e Paulista x Seleção de Trinidad Tobago, de Sebastião Lazaroni). E hoje comento a arbitragem pela Rádio Difusora AM 810, com o “Time Forte do Esporte” do consagrado Adilson Freddo. E isso não me impede de falar que o árbitro acertou a favor ou contra o Galo, meu trabalho é profissional.
Idem na Rádio Futebol Total, em Bragança Paulista, com a equipe do grande Sérgio Loredo, onde tenho carinho especial por terem me acolhido nos anos que lá morei, comentando os jogos do Red Bull Bragantino. A honestidade e a seriedade é a mesma, e independem da simpatia que tenho com os queridos amigos de lá.
O grande problema será: o torcedor “do adversário”. Por não revelar o time grande da infância, se comento um lance polêmico que o Palmeiras possa ter sido favorecido, por exemplo, sou corintiano. Se comento em jogo do Corinthians, sou são-paulino. Se é com o SPFC, viro palmeirense. E semanalmente “haters” mudam o meu clube…
Claro, respeito árbitro que revele seu clube, mas diferente de jornalista, a importunação talvez seja ainda maior, por tudo o que a arbitragem brasileira vive atualmente.
Na minha modesta opinião, Eduardo Iturralde González criou uma confusão ainda maior do que já acontece na Espanha…
- E se fosse no Brasil?
Seria a lógica, pois tudo é proporcional: a maior parte dos árbitros será flamenguista, depois corintiana, na sequência são-paulina ou palmeirense (dependendo da pesquisa). Idem ao número de jornalistas torcedores, ao de homens torcedores, mulheres torcedoras, LGBTs torcedores… e por aí vai.
Iturralde Gonzales (Getty Images). Ele colocou “fogo no palheiro na Espanha…”
