– Adultização de Crianças e Adolescentes nas Redes Sociais:

Meu filho William Porcari fez o ENEM como treineiro. E, mui orgulhosamente, sua redação no simulado me encantou pelo conteúdo redigido, pelo vocabulário utilizado (tanto na ortografia quanto na pontuação) e pela coerência com o tema proposto e os problemas associados.

É muito bom ver os filhos se desenvolvendo e tornando-se críticos dos problemas sociais, com ponderação e lucidez.

(Em tempo: das 180 questões, acertou 168)…

Abaixo:

Adultização de Crianças e Adolescentes nas Redes Sociais:

A pesquisa “Ela vai no meu barco”, de setembro de 2015, realizada pelo Instituto PROMUNDO, apontou que 36% das mulheres casadas entre 20 e 24 anos no Brasil, que representam cerca de três milhões de pessoas, se casaram antes dos 18 anos, prática conhecida como “casamento infantil”. Além disso, o estudo revelou que, em média, essas uniões ocorreram entre meninas de 15 anos e homens pelo menos nove anos mais velhos, geralmente de classe social mais alta. Com isso em mente, é visível a realidade preocupante desse fenômeno no Brasil, uma vez que pessoas entre 14 e 16 anos só podem se casar em caso de gravidez, e entre 16 e 18 anos apenas com o consentimento dos responsáveis legais. Outrossim, cerca de vinte mil casos de estupro de vulnerável foram notificados no mesmo período, e acredita-se que houve uma severa subnotificação, além do preocupante fato de que aproximadamente 99% dos casos não têm seus responsáveis punidos. Tal realidade demonstra que a “adultização” de crianças e adolescentes no âmbito sexual não decorre apenas da irresponsabilidade parental, mas também de mecanismos legais que possibilitam a sexualização dos corpos infantis de maneira lícita, além da negligência estatal, que se manifesta tanto na culpabilização das vítimas quanto na ineficácia da punição dos culpados, principalmente no meio digital, onde tais condutas foram “normalizadas” e até monetizadas por diversas plataformas. Assim, infere-se que a raiz do problema da “adultização” de crianças e adolescentes é uma sociedade que, por fatores históricos e culturais, naturaliza a sexualização de meninas sob a falsa premissa do “consentimento”, somada à omissão das autoridades responsáveis pela proteção física, mental e sexual dos menores.

Diante desse cenário, é necessário ressaltar a relação entre a “adultização” e os resquícios misóginos herdados do período colonial brasileiro. A normatização do casamento entre meninas púberes e homens adultos era uma realidade na Europa e foi importada para o Brasil colonial, sendo agravada pela escravidão, uma vez que as pessoas escravizadas não tinham direito à preservação de sua dignidade, e mesmo mulheres e crianças livres careciam de políticas de proteção sexual. Consequentemente, o Brasil cresceu com a ideia de que meninas são maduras o suficiente para consentir em atos sexuais desde tenra idade, e que a sexualização dos corpos femininos e infantis não é problemática, mas natural. Isso se reflete em casos recentes, como o de Hytalo Santos, em que apenas após denúncias públicas houve mobilização contra a exposição e a “adultização” de crianças nas redes sociais. Logo, percebe-se que a crença colonial de que meninas são “mocinhas” desde muito novas, somada a mecanismos legais falhos e à monetização de conteúdos de “adultização”, contribui para a manutenção de uma sociedade que desconsidera a importância da infância, gerando vítimas com impactos socioemocionais permanentes.

Ademais, é de suma importância apontar que o Estado não dispõe de legislações eficazes para garantir a segurança e a infância de crianças e adolescentes, sendo omisso quanto à exploração de influenciadores mirins, que, apesar de trabalharem, não são devidamente protegidos pela legislação contra o trabalho infantil. Também há negligência na eliminação de mecanismos que ainda viabilizam o casamento infantil e na falta de suporte às vítimas de “adultização”. Muitas vezes, o Estado, através do Poder Judiciário mostra-se leniente diante de casos de abuso, como o do prefeito de Piracanjuba, que admitiu publicamente ter agredido a filha como “corretivo” após ela enviar fotos íntimas, e não foi punido. Tal episódio evidencia que, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente tenha sido promulgado em 1990, ele ainda é amplamente ignorado, sobretudo por autoridades estatais. Isso reforça a necessidade de aparatos legais mais eficazes e punições severas aos responsáveis por crimes contra vulneráveis.

Em conclusão, é nítido que a “adultização” de crianças e adolescentes está enraizada no pensamento e comportamento da sociedade brasileira. Assim, cabe aos legisladores competentes criar canais de denúncia acessíveis às vítimas de qualquer atentado contra a infância, seja na forma de “adultização” ou de abuso físico, sexual ou emocional, além de instituir mecanismos de penalização mais eficazes aos abusadores. Essas ações devem ser realizadas por meio de campanhas de conscientização em escolas e redes sociais, para garantir que os jovens tenham consciência dos seus direitos e de como fazer denúncias em casos de qualquer tipo de abuso;programas de educação parental, para ajudar as famílias a, não somente proteger as crianças no meio digital, como também demonstrar que a agressão e a “adultização” não são práticas constitucionais e não serão toleradas; e pela criação de legislações que regulamentem as mídias digitais, impedindo a monetização e a disseminação de conteúdos que sexualizem menores, e sua exclusão imediata. Dessa forma, será possível garantir a proteção integral das crianças e adolescentes e combater de maneira efetiva a negligência histórica com a infância no Brasil.

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