Tudo é relativo no futebol (e no Brasil em geral), em meio, contraditoriamente, ao que é absoluto. Esse pensamento reflete sobre a seguinte pergunta: afinal, os árbitros de futebol são profissionais hoje?
Depende. E depende do dinheiro, das obrigações diversas, dos direitos e dos deveres. Vamos lá:
Um árbitro da Série B do Campeonato Paulista (a 5ª divisão estadual), ganha menos de R$ 1.000,00, bancando vários de seus custos. Apita uma ou duas vezes por mês, e depois que o campeonato acaba, vai por “trocados” nos Sub 20, Sub 17… até o Sub 13. Se bobear, suas entradas empatam com suas saídas (pois tudo é bancado por ele próprio: treino, material esportivo, suplementos, remédios, plano de saúde, entre outros gastos).
Logicamente, não se vive de “campeonato estadual” nas divisões inferiores. Mas e os árbitros da elite do Campeonato Brasileiro?
Aí é outra história: você recebe R$ 7.280,00 se for FIFA, por cada trabalho (o Brasil, por ser um país importante no contexto histórico do futebol, possui o número máximo de árbitros permitidos no quadro internacional: 10). Se não for da FIFA, o valor também é vultuoso: R$ 5.250,00. Considere ainda: há as estadias, viagens de avião e outras situações mais confortáveis do que seus colegas de outras divisões e/ou torneios. E quem está na elite, apita muito mais do que os demais, porque a CBF dá ritmo de jogo e existe o chamamento para outros torneios importantes (incluindo Libertadores e Sulamericana, para os árbitros internacionais).
Se você apitar todos os sábados ou domingos e em algumas rodadas no meio de semana, certamente terá uma remuneração invejável aos padrões brasileiros. Dá para pagar um personal trainer, usar um tênis de melhor qualidade para correr, tomar vitaminas de boas marcas e, durante a semana, “abdicar” de um trabalho rotineiro.
- Mas isso é o ideal?
Óbvio que não. Muitos árbitros da Série A vivem somente da arbitragem e, um ou outro, exerce uma atividade profissional compatível. Sejam eles militares que permitem troca de folgas, trabalhadores liberais que fazem o seu horário, empreendedores em geral ou, uma das mais numerosas atividades: ser professor de Educação Física. Mas no geral: vivem da renda do apito, mas não têm a obrigação de “se entregar ao profissionalismo”. E explico:
No mundo ideal, um árbitro de futebol profissional teria um salário fixo e um percentual por jogo apitado. Suas escalas teriam um número mínimo e um número máximo de convocações, a fim de não ficar com poucas partidas e perder o ritmo de jogo, e ao mesmo tempo ter um período de descanso compatível para não sobrecarregá-lo. Nessa situação, teria dias pré-definidos com treinos supervisionados pelos preparadores físicos da CBF, e outros de atualização de regras com a Comissão de Arbitragem. Tudo controlado, com relatórios de desempenho e profissionais qualificados (fisiologistas, psicólogos e instrutores). Evidentemente, nesse modelo você não teria outra ocupação profissional e, além das cobranças de preparação, teriam os juízes as obrigações da carreira: preservação de imagem em publicidades que não condizem à atividade, veto a atuação em jogos amadores e/ou festivos fora da jurisdição da CBF, e avaliações de desempenho constantes.
Alguém tem dúvida de que treinados, focados e com dinheiro no bolso (sendo funcionários comprometidos registrados na entidade, com benefícios como plano de saúde e outras assistências que empresas responsáveis oferecem aos seus colaboradores), a coisa melhoraria?
- Mas como é hoje?
Os já citados árbitros da elite recebem como profissionais, mas não têm o comportamento (obrigações e deveres) como tal.
Um amigo me questionou:
“Mas, se colocar na ponta do lápis, um árbitro FIFA pode ultrapassar R$ 50 mil por mês. E é ele quem vai decidir se o zagueiro que ganha R$ 1 milhão fez pênalti no atacante que recebe R$ 1,5 mi. Não é justo!”
Por muito tempo pensei assim. Mas lembre-se: não é o árbitro que leva milhares de pessoas no estádio, nem ele que vende camisas ou ainda que faz um gol. Mas é ele quem atrapalha tudo isso… Enfim: o árbitro nunca pode ser o protagonista, embora sem ele não aconteça o jogo. Ademais: o salário dos árbitros TOP, é muito acima da média salarial do brasileiro…
Não me esqueci das outras divisões: assim como jogadores que ganham pouco (ou trabalhadores menos bem sucedidos de qualquer ramo profissional), há árbitros que vão labutar e não se destacarão. Tentarão, insistirão e não conseguirão. É a vida. Ou melhor: é o mercado de trabalho. Na Quarta Divisão, não devemos esperar a mesma qualidade técnica (de todos os envolvidos) da Primeira Divisão.
Voltando à elite: o árbitro de hoje, que não é cobrado profissionalmente (mas ganha como tal, sem os benefícios que deveria ter), tem um comportamento amador. Ele, após um jogo profissional, não faz um recuperativo adequado. Vide o sem-número de árbitros que trabalham nos jogos amadores ganhando muito dinheiro! É comum que, por estarem na mídia, sejam contratados por Prefeituras para apitarem em seus municípios como atrações (ou por ligas amadoras, ou associações esportivas). E a remuneração é muito boa! Às vezes, maior do que o jogo que apitou pelo Brasileirão. E funciona assim: você apitou no sábado em algum jogo pelo Campeonato Brasileiro, e no domingo será a grande estrela do campeonato amador de uma cidade do Interior. Por ser a atração, pelo “sacrifício” de estar “se expondo” em uma partida de amadores, cobra caro (é comum que seja uma taxa maior do que a Série A, pois está se dispondo a sair do circuito profissional). Ou seja: ganham renda extra no dia em que deveriam estar no recuperativo (com uma vantagem: nesses jogos, são paparicados, não são vaiados e tiram fotos com os jogadores e demais admiradores, sendo o momento pop-star). Em um contrato de trabalho profissional, isso seria aceito? Não! Seria dia de descanso e/ou recuperativo. Vimos o que aconteceu com o juiz Felipe Fernandes de Lima, que no sábado à noite apitou Corinthians x Mirassol e no domingo cedo desmaiou em campo apitando um jogo amador em Brumadinho (após ter viajado de carro por toda à noite)… isso, sem dúvida, é falta de profissionalismo (para uns: ganância; para outros: oportunidade de se fazer um pé-de-meia enquanto a carreira permitir).
Quem garante que todos os árbitros que estão em campo estão descansados e/ou treinados o suficiente para apitar o jogo? Ramon Abatti Abel estava apitando “dia sim, dia não”. Lógico que ganhou muito dinheiro, mas… ele passou um tempo com a família? Descansou a Saúde Mental (imagine a pressão de apitar jogo importante duas vezes por semana)? Releu o livro de regras? Recebeu orientação / feedback das últimas partidas trabalhadas?
Alguns dirão: é importante “cair nas graças da Comissão de Árbitros” para estar sempre escalado e não precisar do trabalho no dia-a-dia. Isso é uma meia-verdade, pois existe uma carência de árbitros acima da média, e qualquer um que consiga ir bem, acaba sendo escalado à exaustão. É a dura realidade do futebol brasileiro.
Em suma: Não falta árbitro. Falta bom árbitro.
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Visite meu blog “Pergunte Ao Árbitro”, em: https://pergunteaoarbitro.wordpress.com/
Visite também “Discutindo Contemporaneidades”, em: https://professorrafaelporcari.com/


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