Eu tenho muito cuidado com esse assunto, pois sei que há a famosa tríade popular de que “Futebol, Política e Religião” não se discutem. Ora, discute-se sim, com tolerância e respeito. E a combinação de dois desses elementos, o Futebol e a Religião, tem me chamado a atenção bastante.
Antes de tudo: tenho a minha religião (é público, sou católico praticante, trabalhei em pastorais e em ações voltadas ao ecumenismo, que nada mais é do que o tão necessário diálogo interreligioso) e não faço proselitismo ou crítica a qualquer outra. A importância de quem vive uma crença é: a maturidade e “racionalidade da fé” (parece um termo contraditório, mas não é). Ciência e Fé são complementares, e não concorrenciais. O fanatismo (em qualquer crença) deturpa tudo isso. Assim, ser maduro e ser racional são condições necessárias para esse assunto.
Dias atrás, comentando um jogo da 4ª divisão paulista, ouvi um treinador dizendo em entrevista que “Profetizou a vitória de Deus contra o adversário” e que o “Senhor é fiel em suas promessas, sendo a vitória dEle”. Respeitosamente, mas Deus não quer disputar a A3 da FPF, ele tem muita coisa importante a fazer. Se ele dá o livre arbítrio às pessoas (e por isso há as guerras – não por culpa de Deus, mas dos próprios homens), por que iria favorecer a equipe A e prejudicar a equipe B?
Milhares de pessoas morrendo injustamente, e qual o motivo para Deus dar mais importância a um jogo de futebol do que à resolução dos conflitos Rússia – Ucrânia ou Hamas – Israel?
Calma, não estou desdenhando do boleiro que pediu ajuda a Deus, nem duvidando da sua fé. Não é um comentário ateísta, mas apenas levantando a seguinte situação: do outro lado, há jogadores que acreditam no mesmo Deus. Qual razão Deus favorece um time e desfavorece outro? Não vale responder que uma equipe teve mais fé do que a adversária, pois, sabemos, a resposta é lógica: “Se macumba ganhasse jogo, o BaVi terminaria sempre empatado”. E óbvio que alguém vai dizer que o Deus dos Cristãos não é o mesmo que os deuses das crenças africanas, mas a analogia serve para o mesmo propósito.
Aqui no Brasil, temos uma “febre de fé no futebol”. Telê Santana, no começo dos anos 90, mostrou-se preocupado com o movimento “Atletas de Cristo”, pois falava-se à boca pequena que alguns atletas não fariam falta no jogo por entenderem ser pecado… Coisa do passado. Sempre existiu a religião e a religiosidade no futebol, ou seja: a fé e o rito, muitas vezes, supersticioso! Ou não é costumeiro ver padres e pastores visitando as agremiações e vestiários, e irônica e concomitantemente, esses mesmos clubes jogam sal grosso aos pés de uma trave e tem seus “pais-de-santos” oficiais?
Certa vez, ainda jovem, apitei pela antiga B1B (a 5ª divisão paulista) o “Clássico do Avião”: Guapira do Jaçanã vs AD Guarulhos (os dois estádios estão na rota de Cumbica e os aviões de grande porte passam à baixa altura sobre eles). Na hora do sorteio, um capitão falou ao outro: “que Deus te abençoe, te dê a paz, e honre a promessa feita a Abraão”. Nunca mais esqueci, achei diferente. E o jogo atrasou pois rezou-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria por parte daquela equipe em campo (se faz isso no vestiário, não fora dele). No primeiro lance, esse mesmo capitão deu um pontapé violento no próprio capitão que ele desejou a paz e o “pau comeu”! Foi um dos cartões vermelhos mais rápidos (e justos) que apliquei numa partida…
Em 2009, após a conquista da Copa das Confederações pela Seleção Brasileira, a BBC da Inglaterra produziu uma matéria chamada DIVINO FUTEBOL, onde dizia que:
“As pessoas que acompanharam a final [Brasil x EUA] não estavam preparadas para a reza coletiva, com todos jogadores brasileiros ajoelhados, de mãos dadas, num círculo feito em pleno gramado que incluiu até a comissão técnica. Em um lugar como a Grã-Bretanha, onde o povo está acostumado a conviver respeitosamente com diferentes religiões, surpreende o fato de atletas usarem a combinação entre um veículo de grande penetração como a televisão e a enorme capacidade de marketing da Seleção Brasileira, para divulgar mensagens ligadas a crenças, seitas ou religiões. Se arriscam a serem confundidos com emissários de pregadores dispostos a aumentar o número de ovelhas de seus rebanhos às custas do escrete canarinho, como emissários evangélicos em missão.”
Por esse mesmo episódio, a Associação de Futebol da Dinamarca pediu atenção à FIFA, que segundo matéria do Estadão:
“A Fifa confirmou à Agência Estado que mandou um alerta à CBF pedindo moderação na atitude dos jogadores mais religiosos, mas indicou que por enquanto não puniria os atletas, já que a manifestação ocorreu após o apito final. Ao final do jogo contra os EUA, os jogadores da Seleção Brasileira fizeram uma roda no centro do campo e rezaram. A Associação Dinamarquesa de Futebol é uma das que não estão satisfeitas com a Fifa e quer posição mais firme. Pede punições para evitar que isso volte a ocorrer. Com centenas de jogadores africanos, vários países europeus temem que a falta de uma punição por parte da Fifa abra caminho para extremismos religiosos e que o comportamento dos brasileiros seja repetido por muçulmanos que estão em vários clubes da Europa. Tanto a Fifa quanto os europeus concordam que não querem que o futebol se transforme em um palco para disputas religiosas, um tema sensível em várias partes do mundo. Mas, por enquanto, a Fifa não ousa punir o Brasil. ‘A religião não tem lugar no futebol’, afirmou Jim Stjerne Hansen, diretor da Associação Dinamarquesa. Para ele, a oração promovida pelos brasileiros em campo foi exagerada. ‘Misturar religião e esporte daquela maneira foi quase criar um evento religioso em si. Da mesma forma que não podemos deixar a política entrar no futebol, a religião também precisa ficar fora’, disse o dirigente ao jornal Politiken, da Dinamarca. À Agência Estado, a entidade confirmou que espera que a Fifa tome ‘providências’ e que busca apoio de outras associações”.
Insisto: os jogadores têm sua religião (ou não a têm, são agnósticos ou ateus) e devem ser respeitados. Mas Deus (ou os deuses, dependendo da sua crença) tem coisa mais importante para fazer do que decidir um placar. Deve-se em oração pré-jogo pedir saúde, proteção contra lesões, um bom trabalho, sucesso profissional… mas placares, não! Afinal, quando o time ganha, para muitos, é pela benção de Deus. Mas e o que houve ao time que perdeu e também rezou?
Por fim: saibamos creditar as derrotas e vitórias ao trabalho dos jogadores, treinadores e demais envolvidos, e a Deus o dom da vida para exercer a sua profissão.
Ops: para que não se ache que esse texto foi averso a fé (citei no início que é uma reflexão sobre a maturidade religiosa), eu também pedi luz ao Espírito Santo para escrevê-lo sem ofensa a qualquer pessoa religiosa ou entidade.
Curiosidade: árbitro de futebol também tem fé e até a sua oração oficial, reconhecida pela Igreja Católica em 2002, graças à ajuda do bispo Dom Amaury Castanho, que generosamente me recebeu com o padre Antonio Ferreira e nos possibilitou esse agrado. Abaixo:
ORAÇÃO DO ÁRBITRO DE FUTEBOL
Senhor Jesus Cristo,
Tu, que conheces o íntimo de cada um de nós, tem piedade de todo o teu povo.
Pedimos tuas bênçãos para todas as pessoas que estão envolvidas na prática esportiva: árbitros e jogadores, torcedores e policiais, gandulas e jornalistas, fiscais e dirigentes das nossas federações.
Nós te amamos, mas sabemos de nossas fraquezas. Humildemente, te suplicamos a proteção, visando não as vitórias ou honrarias humanas, mas a um bom, honesto e seguro trabalho. Acima de tudo, que seja feita a tua santa e bendita vontade.
Tudo isso te pedimos por intercessão de Maria Santíssima, a quem carinhosamente temos por mãe, invocada como Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil e Patrona dos Árbitros de Futebol. Amém.
COM APROVAÇÃO ECLESIÁSTICA DO SR BISPO DA DIOCESE DE JUNDIAÍ, DOM AMAURY CASTANHO, EM 04/12/2002

