Uma máscara protetora é permitida para se jogar futebol, de acordo com as regras?
– Sim, se o árbitro considerar que não trará perigo para os adversários e para o próprio atleta que a usa. Tudo bem. Estamos falando da Regra 4 – Equipamento dos Jogadores. E o exemplo acima foi sobre questões médicas e de segurança.
Mas e uma bandana para segurar o rabo de cavalo de atleta cabeludo, pode?
Também. Você não verá nenhum árbitro mandando o Ronaldinho Gaúcho tirá-la de sua cabeça.
Entretanto, algo polêmico: a FIFA proibiu as atletas da Seleção Iraniana de jogarem com véu. Motivo: questões de segurança, integridade física e desconformidade com a Regra 4.
O problema foi resolvido: criou-se uma touca de tecido para substituir o véu (aqui não tem nada de imposição política do seu premier Ahmadinejad, mas questão religiosa). A Seleção do Irã jogou com essas vestimentas nas Olimpíadas da Juventude em Cingapura.
Porém, a entidade voltou atrás e por “novos motivos de segurança” proibiu que a equipe, já concentrada para jogar contra Omã pelo pré-olímpico de Londres 2012, entrasse em campo.
Proibição por motivo de segurança, política ou de fé?
Sou contra proselitismo religioso. Não concordo com as manifestações de ‘guerra santa’ em campo protagonizadas pelos atletas após as partidas, como as excessivas louvações de atletas evangélicos ou árabes (nada contra a fé – apenas contra a manifestação contraditória de que “Deus me ajudou a ganhar e fez você que tem fé também perder”) – dá a impressão de que é uma batalha espiritual ao invés de esporte.
Mas que mal as jogadoras estão cometendo neste episódio? Estarão tirando vantagem em campo? Burlando a regra? Paralisando a partida por Alá?
MAIS: a Fifa, com tantos escândalos recentes, tem condição moral para tal medida?
Compartilho artigo de extrema sensibilidade da jornalista Ruth de Aquino, extraído da Revista Época desta semana (Coluna Nossa Antena, ed 13/06/2011, pg138), que vem bem ao encontro dessa nefasta decisão:
FUTEBOL, SEXO E RELIGIÃO
Como a Fifa não tem nada com que se preocupar, decidiu banir da Olimpíada de Londres de 2012 a seleção feminina iraniana de futebol por cobrir os cabelos. As meninas choraram em campo, impedidas de jogar contra a Jordânia. A entidade que dirige o futebol mundial fatura bilhões e enfrenta denúncias de corrupção e subornos. Mas essas suspeitas incomodam menos que a ousadia das iranianas. Afinal, quem são elas para imitar a bandana de Ronaldinho Gaúcho?
Vestida de branco dos pés à cabeça, a equipe do Irã posou em Amã, crente que tentaria se classificar para os Jogos de Londres, mas foi banida antes de dar o primeiro chute. No ano passado, elas conseguiram jogar contra a Turquia pelas Olimpíadas da Juventude, em Cingapura. Tinham adaptado o uniforme para seguir as regras da Fifa: as calças compridas foram substituídas por bermudas, que cobriam o início do meião. Na cabeça, toucas de tecido. Assim se apresentaram para jogar na semana passada, mas foram desclassificadas por “razões de segurança”. A Fifa explicou o veto: “A decisão (de março de 2010) permitia que as jogadoras usassem algo que cobrisse a cabeça, mas não que tapasse as orelhas e o pescoço”.
Essa polêmica é de um ridículo atroz. O uniforme das iranianas, feio, desconfortável e calorento, não dá vantagem alguma a elas – correr embrulhada deve ser penoso. Quanto ao “problema de segurança” em cobrir o corpo, nossos craques brasileiros em países frios apelam para luva, manga comprida, gola alta, meião e gorro. Ronaldinho Gaúcho nem no verão dispensa a bandana que esconde suas melenas. É estilo. Se a questão for estética, não há nada mais hediondo que o corte de cabelo de Neymar e seus imitadores moicanos. Então é o quê? O uniforme iraniano é perigoso por seu simbolismo religioso subversivo? Será que fazer o sinal da cruz, ajoelhar e agradecer a Jesus ao entrar em campo ou ao comemorar um gol pode?
No final das contas, a Fifa do suíço Joseph Blatter, reeleito para seu quarto mandato consecutivo, age de maneira tão reacionária quanto o Irã islâmico, que proíbe mulheres de exibir pernas e cabelos. Onde já se viu vetar uma seleção em Olimpíadas porque o uniforme tapa orelhas e pescoço? Se a roupa deixasse entrever bundinha e peitinho, como acontece entre as jogadoras de vôlei e tênis, será que Blatter se incomodaria?
A Fifa age de maneira tão reacionária quanto o Irã ao vetar suas jogadoras por causa do uniforme
Quem não está nem aí para códigos de vestir ou despir são as jogadoras de futebol alemãs que posaram quase nuas para a Playboy de seu país. Cinco atletas das equipes sub-23 estão na capa da revista. Embora nenhuma delas tenha sido convocada para o Mundial feminino que começa na Alemanha no dia 26 de junho, as cinco batem um bolão como modelos no ensaio sensual, com decotes, transparências e toques (de mão) entre elas. Elas não disputariam nenhum jogo assim, é verdade, mas a desenvoltura extracampo das atacantes alemãs choca os ocidentais? Elas poderiam ser acusadas de tentar impor um padrão libertino a mulheres atletas?
Bobagem. Umas são bonitas, gostosas, soltas e exibidas. As outras se submetem aos severos códigos islâmicos. Todas amam futebol. Não só como torcedoras de arquibancada. Querem jogar bola, disputar campeonatos. Já imaginou o esforço de uma menina iraniana para vencer os preconceitos familiares e sociais e chegar à seleção de seu país? Contra tudo e todos. E agora contra Blatter.
Tudo porque a Fifa determinou que touca feminina não pode. A entidade representa 208 países, mas sempre deu o poder máximo a 24 membros do Comitê Executivo. Faturou US$ 4 bilhões nos quatro anos anteriores à Copa de 2010, mas jamais deu satisfações públicas sobre suas decisões heterodoxas, como a escolha da Rússia e do Catar como sedes da Copa em 2018 e 2022. A principal denúncia é a seguinte: o Catar – um país sem história de futebol, sem times, sem estádios, onde faz 40 graus à sombra – teria comprado a Copa por US$ 20 milhões. Nada se prova, mas o comportamento histórico da Fifa parece esconder mais do que os uniformes das iranianas.