– O Empreendedor Sérgio Habib e a “Aventura” da JAC

 

Sérgio Habib personifica a figura do empreendedor na sua essência. Ele, pioneiro na chegada dos carros da Citroen no Brasil, agora aposta suas fichas na chinesa JAC. Montou 50 agências concessionárias, contratou o apresentador Fausto Silva como garoto propaganda e resolveu dar 6 anos de garantia. Audaciosamente, comparou os 11 anos de venda da Toyota com suas 2 semanas de JAC no país. Entretanto, nos quesitos segurança da montadora chinesa…

 

Extraído de: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI222865-15259,00.html

 

A ARRANCADA DO CARRO CHINÊS

 

por Leopoldo Mateus

 

O empresário Sérgio Habib comemora o sucesso inicial de vendas da JAC. Agora vem a parte mais difícil: conquistar o respeito dos fãs de automóveis

 

A etiqueta “made in China” já provocou reações mais fortes no consumidor brasileiro. Ele franzia a testa e se perguntava quanto tempo o produto iria durar. Essa fase passou, principalmente por falta de alternativa – a China é a fábrica oficial do mundo, dos produtos eletrônicos mais sofisticados e confiáveis às bugigangas mais xexelentas. Quem compra, compra produtos feitos na China. Mas o brasileiro estará pronto para acelerar um carro chinês pelas estradas?

A julgar pelos resultados das duas primeiras semanas de vendas, a chinesa JAC Motors tem motivos para acreditar que a resposta seja sim. “A Toyota levou 11 anos para vender no Brasil 4 mil carros em um mês. Nós vendemos 2.400 em duas semanas”, diz Sérgio Habib, presidente do Grupo SHC, importador oficial da marca. Ah, sim: ele não está nem aí para a imagem geral da manufatura chinesa. “Eu não falo em nome de carro chinês nem de produto chinês. Falo pela JAC.” Não se sabe se o ritmo vai continuar, mas a empresa elevou a expectativa de vendas no ano de 35 mil carros para 45 mil.

Parte desse sucesso inicial tem de ser creditado ao esforço de marketing (o apresentador Fausto Silva é o caro garoto-propaganda) e à tentativa de adaptar os veículos ao gosto brasileiro. Foram gastos dois anos e R$ 30 milhões em testes para entender o consumidor local. Havia muito o que fazer. “Chinês gosta de carro com interior bege, brasileiro prefere escuro”, diz Habib. No final, foram 242 modificações, incluindo detalhes de painel, direção, limpador de para-brisas, borrachas das portas. Nada disso garantia, porém, que o carro enfrentaria bem o campo de provas das ruas brasileiras.

Na reta final, em agosto passado, cinco JACs com mais de 100.000 quilômetros rodados foram entregues a taxistas. A opinião deles encorajou Habib a oferecer seis anos de garantia. “No Brasil, as maiores garantias são da Kia e da Hyundai, de cinco anos. Na Europa e nos Estados Unidos, são comuns garantias de sete a dez anos”, diz o consultor especializado José Caporal, da Megadealer Auto Management. “Nesse ponto, eles mostram autoconfiança.”

Conquistar espaço no mercado e na cabeça dos apaixonados por carros a partir do zero é sempre um desafio, por uma questão de hábitos e por outras bem práticas. “Quem compra um carro de uma montadora nova não sabe se vai conseguir revender o carro por bom preço nem se as peças de reposição vão atender à demanda”, diz Caporal. Habib pode até não gostar da associação com a fama chinesa, mas a JAC espera superar os obstáculos iniciais cultivando a imagem de barata em comparação com a concorrência.

A vanguarda da chegada ao Brasil são dois modelos, o J3 (que pretende concorrer com Fox, Fiesta e Sandero) e o J3 Turin (que tentará tomar mercado do Fiesta Sedan e do Siena). Eles custam entre R$ 37 mil e R$ 40 mil. A montadora promete peças de reposição, revisões e seguro econômicos na faixa em que vão concorrer. O valor inicial cobrado pelas seguradoras seria a metade dos concorrentes na mesma faixa de preço. Até julho será lançado o J6, uma minivan do porte da Chevrolet Zafira. No fim do ano, chegará o J5, um sedã que pretende concorrer com o Toyota Corolla.

O baixo custo e a garantia ampla, entretanto, não tornarão fácil a sobrevivência da JAC no Brasil, caso os veículos não tenham qualidade compatível com o que já existe no mercado. Nesse ponto, a média da indústria chinesa precisa avançar. Em outubro de 2010, o carro chinês Geely CK foi reprovado em testes de segurança do instituto Latin-NCap. No teste de colisão, o modelo recebeu nota zero, numa escala até 5. Em março de 2009, já havia ocorrido fiasco semelhante: o chinês Brilliance BS4 recebeu a nota mais baixa nos testes de segurança feitos pelo instituto alemão Adac, que estuda carros vendidos na Europa. No teste específico de contenção de danos causados a pedestres em eventuais atropelamentos, o sedã também recebeu nota zero. A esse histórico ruim da produção chinesa Habib tem uma resposta pronta: os JACs são veículos globais, com design japonês e italiano e autopeças de fornecedores tradicionais, como Bosch e Delphi. Ele não é um principiante – a JAC é apenas o passo mais arriscado de um veterano no ramo.

Habib, um engenheiro eletrônico com pós-graduação em administração na Universidade Harvard, começou a importar os carros Citroën em 1991. Em 2000, tornou-se presidente da marca no Brasil e expandiu a rede de 30 para 130 concessionárias em oito anos. Hoje, tem 83 concessionárias de Citroën, Jaguar, Aston Martin e da JAC. Na empresa, cultiva a imagem de informal – não para na própria mesa e circula para conversar com os funcionários. Como bom empreendedor fascinado pelo que faz, saboreia os detalhes do negócio com certa obsessão. “Se você ligar para ele agora e perguntar quantos carros da JAC ou da Citroën foram vendidos no Recife no fim de semana, ele sabe”, diz um funcionário.

Mas ele obteve sucesso, até agora, apoiado em marcas tradicionais. Ao abrir a rede JAC com 50 concessionárias no Brasil, Habib inicia um tipo de empreendimento completamente diferente. A empresa está presente em mais de 100 países, mas os resultados não são significativos nem na China. Em 2010, vendeu lá 418 mil unidades e exportou 20 mil, números bem discretos (a China produziu 18 milhões de carros no ano passado). O mercado brasileiro já estreia como o segundo maior para a companhia, e a expansão local foi decisiva para que Habib decidisse trazer a JAC.

A previsão é que 3,5 milhões de novos automóveis cheguem às ruas em 2011. Habib aposta em conquistar principalmente os motoristas novatos, ainda sem conceitos e preferências tão arraigados e mais abertos a experimentar. “O brasileiro compra carro primeiro porque é bonito, segundo porque é completo e terceiro porque é barato”, diz Caporal. Por isso, ele acredita que a JAC terá sucesso – ao menos, enquanto durar a curiosidade dos brasileiros sobre o carro chinês.

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