Aqui, o caso é delicado. Até onde os profissionais permanecem isentos ao receber agrados ou patrocínios de empresas (Como a relação entre médicos e laboratórios farmacêuticos, por exemplo)? E se o caso for entre Magistrados?
Recentemente, esta matéria me impressionou e tenho certeza que as pessoas éticas também se agitarão:
GENEROSIDADE COMPROMETEDORA
Extraído de: Revista Época, 16/11/2009, pg 80, por Walter Nunes
Um concurso de arte para juízes, financiado por empresas, dá prêmios maiores que os pagos a artistas profissionais. Esses patrocínios não tiram a credibilidade da Justiça?
Nos últimos 41 anos o escritor gaúcho Moacyr Scliar publicou mais de 70 livros. O último deles, Manual da paixão solitária, descreve um sinuoso caso de amor de uma mulher com um homem e seus três filhos e venceu o Prêmio Jabuti, o mais tradicional do país na área de literatura, na categoria de melhor romance. Pelo prêmio, Scliar embolsou R$ 30 mil. Em outras categorias do Jabuti, os premiados receberam R$ 3 mil.
Em São Paulo, o concurso A Arte da Magistratura, exclusivo para magistrados da Justiça paulista e da Justiça Federal, vai recompensar juízes e desembargadores que nas horas vagas se arriscam a escrever ou pintar como uma atividade bissexta. Em cada uma das duas categorias em disputa, literatura e artes plásticas, o vencedor terá direito a um prêmio de R$ 25 mil, mais uma viagem a Paris com direito a acompanhante e despesas pagas, inclusive ingressos para o Museu do Louvre.
Segundo o desembargador Heraldo de Oliveira Silva, presidente da Academia Paulista de Magistrados, organizadora do evento, a estadia de cada casal em Paris custará cerca de R$ 7.500 em passagens e hospedagem. O valor de R$ 32.500 é maior do que a maioria dos prêmios culturais do país paga a artistas profissionais (leia o quadro) .
A generosidade do prêmio A Arte da Magistratura só foi possível porque as empresas Bradesco, Gol Linhas Aéreas e a Federação das Unimeds do Estado de São Paulo – todas com questões na Justiça – doaram dinheiro ao evento. O desembargador Heraldo de Oliveira Silva foi questionado por ÉPOCA sobre a aproximação com as empresas patrocinadoras, mas ele não quis responder e interrompeu a entrevista. Disse que só falará sobre o assunto em janeiro. Gol e Unimed também foram procuradas para falar sobre os patrocínios, mas não responderam aos pedidos de informações. O Bradesco disse que doou dinheiro para a premiação do concurso dos juízes com o objetivo de “estimular a universalização das manifestações culturais no Brasil”, mas se recusou a revelar o valor de sua cota de patrocínio.
Na semana passada, o jornal O Globo revelou que a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, controlada por bicheiros, pagou a festa de encerramento do encontro do Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). O desembargador Alberto Motta Moraes, ex-presidente do TRE do Rio de Janeiro, pediu o dinheiro aos bicheiros – um deles indiciado pela Polícia Federal –, que foram homenageados no evento. Em outubro, a Caixa Econômica Federal financiou a festa promovida em Brasília pela Associação de Juízes Federais em homenagem a José Antonio Dias Toffoli, recém-empossado ministro do Supremo Tribunal Federal. Em maio, as passagens, a hospedagem e as despesas de refeições de 42 juízes e ministros do Tribunal Superior do Trabalho, que participaram de um congresso em um resort na Praia do Forte, na Bahia, foram pagas pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Essa sucessão de episódios levanta duas questões: a credibilidade e a independência dos juízes, que devem evitar vínculos que possam trazer dúvidas sobre sua conduta, não estão sendo arranhadas pela facilidade com que as entidades dos magistrados recorrem a patrocinadores para pagar suas despesas? Não é preciso haver algum tipo de regulamentação para controlar esse tipo de prática? Na opinião de José Adoni Callou, integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle dos atos do Judiciário, “os juízes, em concursos, precisam verificar se os valores das premiações estão compatíveis com o que acontece no contexto geral”. “Há sempre o risco de haver interesse da entidade patrocinadora, e isso pode atingir a credibilidade do juiz”, diz Callou. “É claro que receber um brinde como caneta, chaveiro e algo de pequeno valor não configura uma infração. Mas prêmios e presentes de alto valor não devem ser aceitos.”
Pelas regras atuais, as associações de juízes podem receber patrocínios sem ter de se submeter a fiscalizações, pois são entidades privadas. O CNJ se limita a tomar providências contra juízes. No caso do patrocínio dos bicheiros à festa dos juízes eleitorais, o CNJ abriu um procedimento, mas contra o desembargador Alberto Motta Moraes. No ano passado, o órgão criou um código de ética para os magistrados – uma carta de intenções que não prevê sanções. A Lei Orgânica da Magistratura diz que é “dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de entes públicos, empresas privadas ou pessoas físicas que possam comprometer sua independência funcional”, mas é omissa em relação à questão dos patrocínios.
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares, é preciso discutir formas de controlar os patrocínios. “O CNJ poderia fazer uma regulamentação prevendo inclusive sanções”, diz. “Pode até haver algum tipo de patrocínio, mas não pode haver custeio de mordomias.” No caso do concurso A Arte da Magistratura, a generosidade das empresas patrocinadoras chama ainda mais a atenção porque, com a crise econômica mundial, as verbas para eventos culturais escassearam. O tradicional Prêmio de Música Brasileira quase não aconteceu por falta de patrocinadores. “Neste ano, não tivemos parceiros. O prêmio só saiu porque o José Maurício Machline (organizador do evento) tirou dinheiro do bolso e contou com o apoio de amigos. Os vencedores receberam troféus, mas nenhum tostão em dinheiro”, disse Tatiane Amaral, produtora do prêmio. Ao que parece, a crise passou longe dos magistrados.
