Amigos, gostaria de agradecer a todos que sempre me apoiaram na minha jornada como árbitro de futebol, ao longo desses anos. Após muito pensar, refletir, discutir com a família e com Deus, resolvi encerrar minha vida dentro dos gramados nessa função. Não deixarei de ser árbitro, pois assumir essa condição é igual ao sacerdócio: um padre, mesmo quando abandona a batina, continua sendo sacerdote, sem exercer sua função eclesiástica; assim, um árbitro, ao “pendurar seu apito”, permanece árbitro, pois as imposições da carreira assim o tornam.
Apitando futebol desde 1994, nesses 16 anos de luta, entrei para a Federação Paulista de Futebol em 1996. Ao longo da carreira, foram várias temporadas, 703 jogos trabalhados (sendo 368 oficiais), 30 testes físicos, algumas comissões de arbitragem, inúmeros monitoramentos, incontáveis reuniões e… uma satisfação muito grande!
Em todo esse período, a arbitragem de futebol me permitiu muitas coisas: conheci estádios humildes como o das antigas traves quadradas do Municipal de Amparo ao monumental e belíssimo Morumbi; trabalhei em partidas desde a longínqua Osvaldo Cruz à minha querida casa Jundiaí; dividi gramados com nomes humildes e desconhecidos até os consagrados amigos Paulo César de Oliveira, Wilson Luís Seneme e Cléber Wellington Abade, entre outros. Presenciei gols de canela, de bicicleta, de mão e de barriga; gols de goleiros e de centroavantes natos; gols contras; golaços e frangaços; e até pseudos-gols como o famigerado “gol de gandula” atribuído injustamente à competentíssima e desbravadora força feminina do apito, Sílvia Regina; colecionei amigos “bandeirinhas” aos montes, do folclórico Sílvio Lira aos laureados Marinaldo Silvério, Flávio Lúcio Magalhães, Ednilson Corona, Valter José dos Reis e Ana Paula da Silva Oliveira. Convivi com dois indubitavelmente maiores instrutores de arbitragem do país, Gustavo Caetano Rogério e Roberto Perassi. Tive a honra de ser avaliado algumas vezes por figuras ímpares da história da arbitragem: Milton Caetano e Abel Barroso Sobrinho. Presenciei grandes craques em campo, do final de carreira do Raí até o surgimento da atual geração, como Diego, Kaká, e outros grandes jogadores do futebol nacional. Pude “tomar conta” de muitos treinadores em campo, desde o “desconhecido professor João Paulo”, que se achava no direito de reclamar com o árbitro porque “jogou junto com o Geraldão do Corinthians”, aos emergentes Mancini, Giba e Luis Carlos Ferreira, culminando nos vitoriosos Muricy, Leão, Luxemburgo, Parreira… Vi de craques a cabeças-de-bagre. Dos clássicos, aos botinudos.
Apitei jogos entre líderes e entre lanternas. De domingo a domingo (já apitei às segundas-feiras) de jogos às 7:00 até os noturnos das 22:00. Com sol, com frio, com chuva, com iluminação capenga, no escuro e no clarão! Já trabalhei em Atibaia no sábado às 16:00 e no outro dia em Araçatuba às 10:00h. E sempre com alegria, pois todo árbitro quer uma única coisa: ser escalado! Seja na A1 como Quarto Árbitro ou apitando A2, A3, B1, B2, B3, B1-A, B1-B, Feminino 1ª, Feminino 2ª, Sub20, Sub 17, Sub 15, Amistoso, Copa Cingapura e até mesmo Campeonato de Circo. Já passei por tudo isso!
Vi racismo e solidariedade em campo; alguns externados, outros encobertos pela mídia. Corri em gramados sem grama e outros como mesa de bilhar; vestiários sem porta e outros como suítes; jogadores empenhados em derrubar seus treineiros e outros que davam o sangue pela bola. Árbitros, árbitros assistentes e árbitros reservas motivados e outros jogando contra os próprios companheiros. Gente chegando no horário do jogo e gente nem chegando. Motoristas da FPF ajudando o árbitro e outros se sacrificando para dupla jornada. Figurantes, protagonistas e antagonistas do futebol. Na maior parte, ouvi vaias. Claro, faz parte do espetáculo e elas são normais e culturais. Mas tive 3 momentos curiosos: aplaudido pela torcida em Catanduva pela 5ª. Divisão, ovacionado em Guarulhos pela 3ª, e premiado como melhor em campo pela rádio local com um pacote de bolachas Dunga em Matão (bons tempos em que se ganhava Motorádio…)
Vi de tudo. Convivi com tudo. Respeitei a tudo e a todos. E para não dizer que tudo foram maravilhas, seria hipocrisia não lembrar daqueles que sempre foram um malefício para o futebol: árbitros que tive a oportunidade de conhecer, ficar hospedado com eles em hotéis para jogos e para reuniões, e que posteriormente se envolveram em máfias; árbitros que desprezavam seus companheiros; árbitros que viajavam 500 km sem abrir a boca com o seu então iniciante companheiro de apito… Dirigentes vaidosos e inescrupulosos, de clubes – e diga-se de passagem – de árbitros! Alguns o tempo já incumbiu de afastá-los e a própria sociedade também o fez; outros, ainda persistem nas suas artimanhas. Vide os lobos em pele de cordeiro (talvez um lobo “Sem Sal, Sem Açúcar”, e os honestos sabem disso), que querem atacar os árbitros mediando relações entre clubes, e depois afagam os apitadores. A estes (ou este), sorrirei educadamente apenas como simbólico perdão à sua pobreza de espírito…
Por fim, sentirei saudades das aventuras e desventuras dos jogos. As saídas pela porta da frente, por trás, por escolta, por camburão… As situações cômicas, curiosas e até mesmo as tristes que vivi. Talvez um dia as relate em livro, como as sensacionais ofertas pós-jogo da “Toca da Tigresa” ou dos “Caldos de Bode” que aconteceram.
Ao longo desde período, sempre fui profissional, cumprindo corretamente minhas escalas, reuniões e convocações. É verdade que não tenho o mesmo condicionamento físico de quando tinha 18 anos (quando emagreci de 92k para 68k, motivado pelo desejo da arbitragem), mas que ainda me permite correr muito pelos campos de futebol!
Minha decisão se deve a uma série de fatores, e já descarto que não se deve a nenhuma especulação sobre problemas de relacionamento ou condição física. Simplesmente, preciso pensar na minha qualidade de vida. Tenho trabalhado intensamente em 3 searas, e abdicado em demasia da minha família. Durmo 5 horas por noite, e trabalho de segunda-a-segunda. É hora de repensar, de dar um pouco mais de aconchego à minha esposa (pois carinho não falta) e curtir o crescimento da minha filha Marina. Neste último ano, para cumprir todas as minhas obrigações, sacrifiquei muita coisa. Cá entre nós, é um esforço exagerado que necessita ser repensado, reavaliado… E com dor no coração, abrirei mão de estar apitando futebol, já que as exigências profissionais são cada vez maiores para tal atividade. Neste ano, cheguei a treinar aos domingos pela 5 da matina!
Portanto, agradeço a todos os amigos que trabalharam e conviveram comigo.
A Deus pela oportunidade;
ao meu pai, Milton Porcari pelo companherismo;
à minha esposa, Andréia de Melo Porcari pela compreensão;
aos amigos Adilson Freddo (que desprovido de qualquer interesse me ajudou no início da carreira e até hoje o faz – lembro-me como hoje quando eu era ainda estagiário na CEF e ele me convidou a ir à Rádio Cidade) e Luiz Antonio de Oliveira- “Cobrinha” (sempre atuante no futebol amador e grande amigo incentivador, conseguiu muitos bons jogos para eu apitar e aprender com boa prática);
e às comissões de árbitro nas quais fui subordinado, além dos mestres da EAFI que me ensinaram muito (novamente referência ao sr Gustavo e também ao Antonio Cláudio Ventura);
Desejando boa sorte ao trabalho árduo do Coronel Marinho, que teve sempre muita disposição em trabalhar e viver a arbitragem (mesmo com a minha sincera ressalva quanto à não abertura pública da pontuação do ranking, que tenho certeza que respeitosa e democraticamente é entendida), e os mesmos votos aos integrantes da CEAF, Arthur Alves Júnior e Roberto Perassi. Sei das dificuldades hercúleas do cargo, já que o alto número de árbitros corresponde ao mesmo alto número de personalidades, interesses e objetivos que se deve administrar e que praticavelmente não se pode contentar.
Me afastando do centro do gramado, mas não da arbitragem por definitivo (e muito mesmo do futebol como um todo), agradeço derradeiramente. Não quero perder o vínculo com o esporte bretão, muito menos da nobre atividade que é fazer cumprir as regras do jogo. A isso se resume o árbitro.
Só quem esteve dentro de campo, como único elemento a encarar duas equipes, uma plateia e a indisposição pública, tendo como seus instrumentos o apito e as 17 regras, sabe o quão prazeroso é tal desafio. Alguns dirão que é loucura ou masoquismo; prefiro dizer que é paixão pelo futebol correto, pela lealdade e jogo limpo.
Indescritível. É isso que contraditoriamente descreve a sensação do árbitro.
Foi muito bom. Obrigado a todos e sucesso na carreira e na função de cada integrante da família do futebol.
PPPPRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII.
Apito Final. Fim de Jogo.
Ou, quem sabe, apito inicial para uma nova jornada…
(lembrando, estou estudando algumas propostas que outrora abri mão pela não-compatibilidade com a função de árbitro)