– Frei Coragem

Lembram da irmã Dorothy, aquela freirinha, pequena de tamanho mas grande na fé, que foi morta por grileiros de terra no Pará? Pois é, seu exemplo leva muitos outros a lutarem pela causa dos mais pequeninos na Amazônia; entre eles, um frei cuja cabeça está literalmente a prêmio: R$ 100 mil para quem o matar.

Extraído de: http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2074/ameacado-de-morte-frei-henri-mantem-viva-a-luta-da-146128-1.htm

Frei Henri mantém viva a luta da irmã Dorothy em defesa das matas do Pará

Hugo Marques

Na pequena casa branca que abriga a sede da Comissão Pastoral da Terra em Xinguara (PA), os quatro funcionários têm medo de morrer. Lá, trabalha um dos homens que mais recebem ameaças no Brasil: o coordenador da CPT na região, o frei Henri des Roziers, 79 anos. Ele chegou ao sul do Pará há três décadas, naturalizou-se brasileiro e, desde então, vem defendendo os direitos dos trabalhadores rurais numa área conhecida pelos conflitos agrários sangrentos.

“O frei Henri tem um respeito profundo pelo ser humano, seja sem-terra, seja peão do trecho ou fazendeiro”, diz a advogada Antônia Santos. Mas o respeito não é mútuo. A cabeça de Roziers vale R$ 100 mil na região, o dobro do que os fazendeiros pagaram, em 2005, para matar a missionária Dorothy Stang. “Não há melhor lugar para matar do que nas matas do Pará”, lamenta o coordenador da CPT em Goiás, dom Tomás Balduíno, 86 anos.

A 900 quilômetros de Belém, Xinguara é cercada por fazendas que em grande parte nasceram da grilagem. Também há muitos assentamentos de sem-terra. Nos últimos meses, a região ficou mais tensa, com a chegada de imigrantes em busca de minérios. É lá que o frei, formado em letras na Sorbonne, com curso de direito em Cambridge, na Inglaterra, e doutorado na Universidade de Paris, luta pela impunidade dos mandantes de assassinatos. Alheio às ameaças, ele acaba de abrir nova campanha. Pede proteção policial para 70 lideranças sindicais e de movimentos rurais ameaçadas pelos fazendeiros. E ameaçou abrir mão de sua segurança. “Prefiro que o governo gaste o dinheiro que gasta na minha proteção com as dezenas de ameaçados do povo.”

R$ 100 mil é a oferta de fazendeiros da região para quem matar o religioso

No momento, frei Henri está internado no Hospital São Camilo do Ipiranga, em São Paulo. Está fazendo terapia diária para recuperar o braço esquerdo, paralisado por um AVC que sofreu na manhã do sábado 25 de julho. “Certamente vou voltar para minha luta em poucos dias”, disse à ISTOÉ na terça-feira 4. Luta que deu a Henri o Prêmio Internacional de Direitos Humanos Ludovic-Trarieux 2005, também concedido a Nelson Mandela. Ele tem pressa em voltar ao trabalho porque está empenhado em derrubar a medida provisória de regularização fundiária da Amazônia. “Essa MP da Amazônia vai provocar mais concentração de terra, devastação e exploração dos trabalhadores rurais”, critica. O deputado ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO) rebate: “Se ele acha que todas as terras são públicas que ele mude a Constituição.”

Luta e desafios são parte da história de frei Henri. Na adolescência, viu os pais engajados na resistência contra os nazistas. No serviço militar, foi para a Argélia e apoiou os movimentos de independência. Quando voltou a Paris, advogou para agricultores terceirizados e, em 1968, apoiou a revolta estudantil. Depois de ouvir as histórias dos padres brasileiros torturados pela ditadura e exilados na França, ele decidiu ir para o sul do Pará. “A presença do frei Roziers é um gesto de solidariedade e generosidade extrema com o Brasil”, diz o coordenador da CPT em São Félix do Araguaia (MT), bispo dom Pedro Casaldáglia, 81 anos.