– O Futebol Brasileiro Contra o Apartheid

É dessas coisas que nos orgulhamos!

Extraído de: http://colunas.epoca.globo.com/matamata/2009/06/22/como-a-selecao-brasileira-ajudou-a-derrotar-o-apartheid/

Como a Seleção Brasileira ajudou a derrotar o apartheid

PRETÓRIA – Nós, brasileiros, nunca pensamos nisso, mas Pelé – e a seleção brasileira – tiveram um pequeno, mas importante papel na derrubada do apartheid. Além de inspirarem o futebol sul-africano (a ponto de um de seus principais times, o Mamelodi Sundowns, usar camisa amarela e calção azul em homenagem à seleção), os multi-raciais times brasileiros “davam um tapa na cara do apartheid” cada vez que ganhavam uma Copa do Mundo. É o que diz na entrevista abaixo o principal historiador do futebol sul-africano, Peter Alegi. Como professor da Eastern Kentucky University, Alegi escreveu Laduma!, o melhor livro sobre o tema. “Laduma” é o grito dos locutores, em zulu, quando acontece um gol. Hoje professor da Michigan State University, Alegi explicou os conflitos que prejudicam tanto o “soccer” na África do Sul (na foto acima, os Johannesburg Highlanders, um bem-sucedido time das ligas negras sul-africanas da década de 30).

ÉPOCA – De que forma o futebol ajudou a derrotar o apartheid?
Peter Alegi – O futebol humanizou a vida de pessoas que tinham muito pouco motivo para comemorar nas condições impiedosas e punitivas da segregação e do apartheid. O esporte também criou um espaço cultural que deixava evidente um desejo geral de integração racial e direitos iguais. Internacionalmente, o futebol desempenhou um papel crucial no movimento de boicote esportivo. O isolamento da África do Sul branca entre 1961 e 1992, com exceção de um breve período em 1963, mostrou-se um estímulo significativo à luta pela libertação, pois mostrou que o apartheid era inaceitável e que o resto do mundo não estava disposto a jogar com racistas.

ÉPOCA – O sucesso do multi-racial time brasileiro, e em particular o de Pelé, era visto como um exemplo pelos negros sul-africanos?
Alegi – Não há dados sobre até que ponto as seleções brasileiras dos anos 60 e 70 inspiraram jogadores, torcedores e organizadores das comunidades negras. Há evidências circunstanciais em favor dessa ideia de um papel “inspirador”. O time dos Mamelodi Sundowns, fundado no início dos anos 60 no bairro misto de Marabastad, em Pretória, adotou camisa amarela e calção azul em homenagem à seleção. É bom lembrar que a televisão só chegou à África do Sul em 1976, e que a primeira Copa do Mundo só foi transmitida em 1990, depois da libertação de Nelson Mandela. Então, os torcedores devem ter visto poucos filmes do Brasil de 1958-70 e de Pelé. Certamente nunca partidas inteiras. No entanto, é certo que o sucesso de um time de brasileiros brancos, negros e mestiços era um tapa na cara da ideologia do apartheid. Nos anos 70, Pelé foi um símbolo do poder negro nas townships (as favelas habitadas por negros na periferia das grandes cidades sul-africanas).

ÉPOCA – Seu livro menciona o caso da Portuguesa Santista, que quase aceitou jogar uma partida apenas com jogadores brancos, na Cidade do Cabo, em 1959 – um telegrama do presidente Juscelino Kubitschek impediu que isso acontecesse. O que ocorreu ali, exatamente?
Alegi – A Portuguesa Santista, segundo o que se publicou na época, teria aceitado barrar vários jogadores negros e escalar um time só de brancos contra um combinado branco da Província Ocidental, na Cidade do Cabo. A South African Sports Association (Sasa), uma entidade anti-apartheid, ao saber dessa aceitação do racismo, imediatamente disparou um protesto oficial ao cônsul do Brasil na Cidade do Cabo. O cônsul, aparentemente depois de comunicar-se com o presidente Juscelino Kubitschek, ordenou que a Portuguesa Santista não entrasse em campo.

ÉPOCA – Depois do fim do apartheid, a África do Sul ainda parece buscar sua identidade. A Copa do Mundo terá alguma importância nesse sentido?
Alegi – O governo sul-africano tem usado a Copa do Mundo para estimular o orgulho nacional e a unidade e aumentar o prestígio do Estado e de seus líderes. Esse projeto enormemente dispendioso e importante, porém, chega num momento delicado para o país. A África do Sul ainda é profundamente dividida em linhas de raça e classe, e ainda luta com enormes problemas sociais, incluindo pobreza, racismo, violência, HIV e a crescente xenofobia. No geral, acredito que uma Copa bem organizada e memorável vai gerar algum sentimento de comunhão e patriotismo e pode desafiar os estereótipos negativos sobre os africanos. Mas qualquer nova identidade sul-africano será provavelmente efêmera e frágil se não for acompanhada por reformas estruturais mais amplas na sociedade.

Um comentário sobre “– O Futebol Brasileiro Contra o Apartheid

  1. – O Futebol Brasileiro Contra o Apartheid
    É dessas coisas que nos orgulhamos!

    Extraído de: http://colunas.epoca.globo.com/matamata/2009/06/22/como-a-selecao-brasileira-ajudou-a-derrotar-o-apartheid/

    Como a Seleção Brasileira ajudou a derrotar o apartheid

    PRETÓRIA – Nós, brasileiros, nunca pensamos nisso, mas Pelé – e a seleção brasileira – tiveram um pequeno, mas importante papel na derrubada do apartheid. Além de inspirarem o futebol sul-africano (a ponto de um de seus principais times, o Mamelodi Sundowns, usar camisa amarela e calção azul em homenagem à seleção), os multi-raciais times brasileiros “davam um tapa na cara do apartheid” cada vez que ganhavam uma Copa do Mundo. É o que diz na entrevista abaixo o principal historiador do futebol sul-africano, Peter Alegi. Como professor da Eastern Kentucky University, Alegi escreveu Laduma!, o melhor livro sobre o tema. “Laduma” é o grito dos locutores, em zulu, quando acontece um gol. Hoje professor da Michigan State University, Alegi explicou os conflitos que prejudicam tanto o “soccer” na África do Sul (na foto acima, os Johannesburg Highlanders, um bem-sucedido time das ligas negras sul-africanas da década de 30).

    ÉPOCA – De que forma o futebol ajudou a derrotar o apartheid?
    Peter Alegi – O futebol humanizou a vida de pessoas que tinham muito pouco motivo para comemorar nas condições impiedosas e punitivas da segregação e do apartheid. O esporte também criou um espaço cultural que deixava evidente um desejo geral de integração racial e direitos iguais. Internacionalmente, o futebol desempenhou um papel crucial no movimento de boicote esportivo. O isolamento da África do Sul branca entre 1961 e 1992, com exceção de um breve período em 1963, mostrou-se um estímulo significativo à luta pela libertação, pois mostrou que o apartheid era inaceitável e que o resto do mundo não estava disposto a jogar com racistas.

    ÉPOCA – O sucesso do multi-racial time brasileiro, e em particular o de Pelé, era visto como um exemplo pelos negros sul-africanos?
    Alegi – Não há dados sobre até que ponto as seleções brasileiras dos anos 60 e 70 inspiraram jogadores, torcedores e organizadores das comunidades negras. Há evidências circunstanciais em favor dessa ideia de um papel “inspirador”. O time dos Mamelodi Sundowns, fundado no início dos anos 60 no bairro misto de Marabastad, em Pretória, adotou camisa amarela e calção azul em homenagem à seleção. É bom lembrar que a televisão só chegou à África do Sul em 1976, e que a primeira Copa do Mundo só foi transmitida em 1990, depois da libertação de Nelson Mandela. Então, os torcedores devem ter visto poucos filmes do Brasil de 1958-70 e de Pelé. Certamente nunca partidas inteiras. No entanto, é certo que o sucesso de um time de brasileiros brancos, negros e mestiços era um tapa na cara da ideologia do apartheid. Nos anos 70, Pelé foi um símbolo do poder negro nas townships (as favelas habitadas por negros na periferia das grandes cidades sul-africanas).

    ÉPOCA – Seu livro menciona o caso da Portuguesa Santista, que quase aceitou jogar uma partida apenas com jogadores brancos, na Cidade do Cabo, em 1959 – um telegrama do presidente Juscelino Kubitschek impediu que isso acontecesse. O que ocorreu ali, exatamente?
    Alegi – A Portuguesa Santista, segundo o que se publicou na época, teria aceitado barrar vários jogadores negros e escalar um time só de brancos contra um combinado branco da Província Ocidental, na Cidade do Cabo. A South African Sports Association (Sasa), uma entidade anti-apartheid, ao saber dessa aceitação do racismo, imediatamente disparou um protesto oficial ao cônsul do Brasil na Cidade do Cabo. O cônsul, aparentemente depois de comunicar-se com o presidente Juscelino Kubitschek, ordenou que a Portuguesa Santista não entrasse em campo.

    ÉPOCA – Depois do fim do apartheid, a África do Sul ainda parece buscar sua identidade. A Copa do Mundo terá alguma importância nesse sentido?
    Alegi – O governo sul-africano tem usado a Copa do Mundo para estimular o orgulho nacional e a unidade e aumentar o prestígio do Estado e de seus líderes. Esse projeto enormemente dispendioso e importante, porém, chega num momento delicado para o país. A África do Sul ainda é profundamente dividida em linhas de raça e classe, e ainda luta com enormes problemas sociais, incluindo pobreza, racismo, violência, HIV e a crescente xenofobia. No geral, acredito que uma Copa bem organizada e memorável vai gerar algum sentimento de comunhão e patriotismo e pode desafiar os estereótipos negativos sobre os africanos. Mas qualquer nova identidade sul-africano será provavelmente efêmera e frágil se não for acompanhada por reformas estruturais mais amplas na sociedade.

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