– A Educação Domiciliar Condenada no Brasil

Nesta semana, uma família do interior de MG foi condenada por abandono intelectual dos filhos. Motivo: resolveram educá-los em casa, ao invés de levá-los à escola.

Tão comum e aceitável nos EUA, a prática de educar em casa é rejeitada pela Justiça Brasileira, que alega que o ambiente escolar é melhor.

Abaixo, extraído da Revista Época desta semana (15/03/2010), Coluna Primeiro Plano, pg 30, por Camila Guimarães, uma matéria sobre os prós e contras da prática do home schooling:

DÁ PARA EDUCAR FILHOS FORA DA ESCOLA?

Insatisfeito com a qualidade do ensino da rede pública de sua cidade, no interior de Minas Gerais, o casal Cléber e Bernadeth Nunes decidiu tirar os filhos mais velhos da escola e educá-los por conta própria. Há quatro anos, Davi, de 16 anos, e Jônatas, de 15, aprendem as disciplinas escolares sem sair de casa. Na semana passada, o Tribunal de Justiça de Timóteo condenou os pais pelo crime de abandono intelectual: a lei brasileira obriga os pais a matricular os filhos na escola. A família também perdeu um processo cível, no ano passado. As multas chegam a R$ 5.600. Os pais se recusam a pagar – ou a matricular os filhos na escola.

A educação domiciliar acontece quando os pais assumem a educação formal dos filhos. Os Estados Unidos aceitam a prática (home schooling): 2,2% da população de 2 a 17 anos é educada em casa. Sem ir à escola, as crianças recebem a mesma carga curricular, fazem as mesmas avaliações e recebem o mesmo diploma dos ensinos fundamental e médio. O atual ensino domiciliar é herdeiro da antiga prática das famílias ricas de educar seus filhos em casa, com governantas e tutores. Um dos melhores presidentes do país, Franklin D. Roosevelt, que governou da Depressão à Segunda Guerra Mundial, foi educado assim.

Os motivos para desistir da escola não mudaram muito: insatisfação com o ensino público, preocupação com o ambiente escolar e princípios religiosos. Ou, mais recentemente, dificuldade de se adequar à rotina normal, no caso de viajantes, artistas e atletas. Por trás dessa questão há um embate de visões de mundo. De um lado, está a posição liberal, segundo a qual as famílias têm amplo direito de escolher como levar a vida. De outro, está a função do Estado como formador e disciplinador dos cidadãos – uma visão preconizada pelo filósofo Platão, que pregava inclusive a retirada dos filhos de casa.

Em países como França, Reino Unido, Canadá e México, a educação domiciliar é aceita. Na Alemanha e na Espanha, é proibida. No Brasil, a lei diz que a educação é responsabilidade do Estado. Daí a decisão da Justiça de punir os pais-educadores. “Até 1988, a legislação dava prioridade à decisão da família”, diz Luciane Ribeiro, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP). “A Constituição de 1988 passou esse poder para o Estado.”

Além dos Nunes, outras famílias tentaram explorar interpretações da legislação para garantir o reconhecimento do ensino em casa, sem sucesso. “A lei é clara. O Estado tem de zelar pela matrícula das crianças em idade escolar e exige a frequência de, no mínimo, 75% das aulas”, afirma João Roberto Alves, presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação.

A proibição tem o apoio de especialistas na área. Eles dizem que o convívio social é fundamental para o processo de aprendizagem, para formar cidadãos capazes de se relacionar entre si. “A educação é uma prática social, os alunos dentro da escola aprendem uns com os outros”, diz Benigna Villas Boas, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).