– O Simbolismo da Contratação de Tardelli: Modismo, Necessidade ou Modernidade?

Leio e ouço pela mídia que o Clube Atlético Mineiro contratou o (agora ex) árbitro Wagner Tardelli para fazer parte da sua Comissão Técnica, chefiada pelo treinador Wanderlei Luxemburgo.

Um especialista em arbitragem para fazer parte de uma equipe de futebol. Seria novidade? Talvez. Mas, sinceramente, tal adoção de um profissional que entenda das Regras do Jogo não deveria ser uma necessidade? Há poucos meses, o Real Madrid tentou contratar um árbitro da Liga Espanhola, mas a ideia acabou não vingando.

Wagner Tardelli pendurou o apito neste ano. Está livre e desimpedido para novos desafios. Não há nenhum empecilho ético, já que assume tal condição. Nos primórdios do futebol, a situação era contrária: os ex-jogadores é que viravam árbitros (Já imaginou Marcelinho Carioca, Viola, Djalminha ou Raí apitando jogos? Seria curioso, mas neste tempo e realidade, improvável…). A única condição que poderia trazer discussões seria se ele fosse árbitro atuante e desse consultoria à equipe mineira. Claro, situação incompatível.

Mas por que os clubes de futebol não tem em suas comissões técnicas um profissional de arbitragem? Cultura, despreocupação com a regra ou comodismo?

Em todas as atividades profissionais, a pessoa deve estudar cada vez mais para melhorar seu rendimento e ter ascensão na carreira. O futebol talvez seja uma das poucas atividades em que os profissionais pouco sabem sobre as regras do seu ofício. Pergunte a um jogador quantas regras o futebol possui? Boa parte poderá acertar a resposta: 17 regras. Mas não pergunte quais são… Se você perguntar de bate-pronto qual a Regra 9, a chance de acerto é quase nula!

Por fazer parte do meu universo profissional, gosto de comparar temáticas da Administração de Empresas com as do Futebol. E o exemplo que vou citar é perfeito quanto ao significado da contratação de Tardelli:

Em meados da década de 10, no século passado, o turco radicado francês Henry Fayol, um dos pais da Administração Moderna (Abordagem Clássica da Adm), cuja formação era a Engenharia, questionou: Por que não ensinamos a Administração em universidades? (naquele tempo, não existiam cursos acadêmicos de tal ciência). E isso impulsionou a criação das primeiras faculdades de Adm. Entretanto, surgiram dúvidas: ADMINISTRAÇÃO É CIÊNCIA, ARTE OU TÉCNICA?

Refaça essa mesma pergunta para o esporte bretão que tanto admiramos: FUTEBOL É CIÊNCIA, ARTE OU TÉCNICA?

Entenda os 3 termos para poder responder:

– CIÊNCIA é o conjunto de estudos necessários para a compreensão de um assunto ou fenômeno;

– ARTE é a vocação, o dom, a habilidade inerente ao ser;

– TÉCNICA é a prática adquirida pelo costume e o exercício da atividade.

Hoje, na Administração, os autores enfatizam um ou outro desses 3 fatores; mas para o perfeito exercício profissional, deve-se ter a harmonia e a existência deles.

No futebol, vemos claramente a ARTE (afinal, o jogador tem que ter algum dom, gostar de exercer o ofício e certa habilidade) e também a TÉCNICA (que é o treinamento, o aprimoramento e a prática do jogo de futebol). Mas e a CIÊNCIA, onde fica? Fica para os profissionais que assessoram os jogadores (nutricionistas, fisioterapeutas, preparadores físicos). Mas o próprio atleta não se preocupa com a CIÊNCIA, o estudo do seu ofício, que é conhecer as regras do futebol.

Canso de debater com colegas de arbitragem e amigos de jogo, o quão diferente seria o futebol se jogadores e treinadores conhecessem detalhes da regra. Novas jogadas ensaiadas surgiriam, um número menor de cartões amarelos e vermelhos, talvez menos reclamações em campo e maior prazer no esporte. Quanto se economizaria em advogados nos tribunais, por cartões e suspensões que poderiam ser evitados? Quanto se prejudica a um clube uma atitude inconveniente causada por desconhecimento da regra?

Costumo ouvir falar se as opções táticas no futebol e se os esquemas de jogo estão esgotados. Dá para fazer algo novo no futebol ou não?. Talvez dê, dependendo do treinador e do seu nível de conhecimento de regra. Não estão exauridos novos sistemas, se repensarmos as possibilidades e permissões das regras do futebol.

O Atlético Mineiro inova, naquilo que é uma necessidade não percebida pelos clubes e se torna uma modernidade. Teremos novos anúncios de contratação de ex-árbitros em comissões técnicas? Abrir-se-á um novo campo de trabalho? A ideia vingará com bons resultados a médio e longo prazo?

A resposta não sei. Mas torço para que dê certo e desejo o sucesso ao pioneirismo da empreitada de Wagner Tardelli. Boa sorte à ele.

Finalizando, a pergunta inevitável que já surgiu: teria sido a contratação de Tardelli um artifício para a conquista da simpatia de árbitros por parte do clube? Ora, grande bobagem pensar nisso. O árbitro está preocupado em seu trabalho, não em fazer graça para amigo ou simpatizante. O profissionalismo deve estar acima de tudo, e sua carreira e desejo próprio de realização comprovam esse pensamento no meio da arbitragem.

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