– A Incrível Mágica dos Preços Baixos!

Como é que alguns postos de combustível conseguem oferecer preço de custo aos clientes, se as margens são mínimas?

Claro, a qualidade (ou a falta dela) é um fator, e a sonegação, outro.

Adulteração, cargas roubadas e sonegação… Compartilho um interessante material da FECOMBUSTÍVEIS a respeito desse último tópico.

Extraído de: http://www.fecombustiveis.org.br/revista/reportagem-de-capa/sonegacao-em-pauta.html

SONEGAÇÃO EM PAUTA

Por Rodrigo Squizato   

Se a qualidade dos combustíveis no Brasil é cada vez menos uma preocupação das autoridades, o mesmo não se pode dizer da sonegação fiscal, que vem ganhando força e impondo novos desafios aos órgãos fiscalizadores

Além de estar se consolidando como o principal combustível para os veículos leves, o etanol está se tornando a principal preocupação das autoridades fiscais do país. O derivado da cana-de-açúcar pode ser positivo sob muitos aspectos para o Brasil, mas tem se mostrado um problema sério para a economia formal.

Como é difícil fiscalizar as mais de 400 usinas que processam cana-de-açúcar no Brasil, infelizmente ainda são registrados muitos problemas com este combustível, apesar de diversas medidas preventivas terem sido tomadas em anos recentes. Como a adição de corante ao etanol anidro e a substituição tributária parcial do PIS (Programa de Integração Social) para o combustível. Essas medidas são apenas dois exemplos de um esforço grande que autoridades federais e estaduais de diversas áreas estão tomando nos últimos anos.

A preocupação inicial das autoridades eram os altos índices de não-conformidade do combustível, em que o caso clássico foi o do solvente. Mas com o aprimoramento do controle e o reforço do marco legal, os índices de não-conformidade oficiais caíram e se “descolaram” dos sinais indicativos de sonegação.

Definir qual é o tamanho da sonegação é uma tarefa muito difícil, porque o objetivo é quantificar algo que não se vê. Contudo, há indicadores que dão uma boa ideia do volume de impostos que está sendo sonegado.

Um deles é observar a participação de mercado das empresas do Sindicom. Este dado é relevante porque se pode comparar a participação no mercado dos derivados de petróleo com a do álcool. Teoricamente, as participações de mercado das distribuidoras do Sindicom nas vendas de gasolina e etanol hidratado deveriam ser muito próximas. Contudo, o que se vê hoje é uma diferença de 12 pontos porcentuais.

Obviamente, este não é o único indicador usado para verificar o nível de sonegação no mercado. Há dados muito mais precisos.

No Estado de São Paulo, o maior produtor de etanol do país, a Secretaria da Fazenda detectou que a arrecadação de impostos com o álcool caiu, em alguns casos, quase 50%. O dado é incongruente com a realidade de mercado, que mostra um aumento das vendas de etanol hidratado da ordem de 20% no primeiro semestre.

Segundo o diretor-adjunto da administração tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP), Antonio Carlos de Moura Campos, os dados estão fazendo com que o órgão do governo do Estado intensifique as ações de fiscalização “como nunca foi feito antes”.

Para o diretor-técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Antonio de Pádua Rodrigues, é necessário que se usem os dados disponíveis para identificar os produtores, distribuidores e postos que estão sonegando impostos. “O mercado conhece quem são e a informação é enviada todo mês para a ANP e as secretarias da Fazenda”, afirma Pádua. Além disso, ele lembra que a competitividade no setor define margens de preços entre os produtores muito apertadas. Logo, quando se registra em qualquer elo da cadeia de distribuição uma variação muito grande de preço – que fuja àquela margem apertada –, deve-se desconfiar. “Nós também queremos concorrência leal entre produtores, entre distribuidores e entre revendedores”, conclui.

Outro indício dos problemas com o álcool foi identificado em Santa Catarina. Segundo Renato Prux, gerente de fiscalização da Secretaria da Fazenda de Santa Catarina, o Estado começou a desconfiar de uma série de operações suspeitas com o combustível ainda no ano passado. O sinal amarelo acendeu quando as autoridades compararam dados do Sintegra (Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços) com os números da própria Secretaria.

Ao final do ano, uma ação conjunta de diversos órgãos públicos conseguiu agir contra distribuidoras instaladas no Estado e três empresas tiveram suas inscrições cassadas.

O trabalho foi aprofundado este ano e outras três distribuidoras também já tiveram registro cassado em 2009. Segundo Prux, os meios mais usados pelas distribuidoras para colocarem no mercado o produto sonegado é o uso de empresas de fachada, liminares judiciais e armazenagem compartilhada. O resultado das ações foi a

notificação de R$ 180 milhões em multas aos contribuintes flagrados pela Secretaria.

O produto vendido sem pagamento de impostos em Santa Catarina é produzido no interior do Paraná e de São Paulo. “Hoje, o nome do problema é álcool”, afirma Prux. Segundo ele, cerca de 95% dos problemas relacionados à sonegação no setor de combustíveis em Santa Catarina referem-se ao etanol.

Prux explica que o Estado perde duas vezes, porque, além do sonegador comprar produto sem pagar imposto, muitas vezes este álcool acaba sendo misturado à gasolina em proporção superior aos 25% definidos pela legislação. Com isso, o governo deixa também de arrecadar com a parcela de gasolina que não foi vendida.

Para fechar o cerco sobre os sonegadores, o Estado de Santa Catarina divulgou em julho uma ampla lista com 17 medidas para combater a sonegação no setor. O pacote envolve desde novas leis para o Estado – que em parte se baseiam em legislação já em vigor em outras unidades da federação – até a proibição de instalação de novas bombas mecânicas, passando por aumento da fiscalização nos postos suspeitos, maior cooperação com as entidades de classe do setor e o estabelecimento de parcerias com os Estados produtores de etanol.

Os números da Secretaria da Fazenda de Santa Catarina dão uma pequena amostra do potencial de sonegação no setor. O Sindicom, por sua vez, estima que a sonegação, apenas com o mercado de etanol hidratado no Brasil, gire em torno de R$ 1 bilhão. Deste total, R$ 400 milhões seriam de PIS/Cofins e o restante, R$ 600 milhões, de ICMS.

Os dados do Sindicom são, até onde se tem notícia, o mais detalhado estudo sobre sonegação no setor no Brasil. Ele se baseia nos números da ANP, detalhes dos balanços das próprias distribuidoras associadas – por exemplo, quanto da comercialização é de vendas interestaduais –, em preços de mercado e em algumas estimativas, explica Dietmar Schupp, responsável pelo trabalho.

Como o sistema tributário brasileiro é muito complexo, vale a pena analisar o que significam essas cifras em volume. No estudo do Sindicom, nada menos do que 1,7 bilhão de litros, ou 13% das vendas de etanol hidratado realizadas no Brasil em todo o ano de 2008 estariam sendo negociadas sem o pagamento total ou parcial de impostos.

TAREFA INGRATA

Para um observador distante, a história do combate à sonegação e adulteração de combustíveis no Brasil pode parecer a ingrata tarefa de se enxugar gelo. Realmente, o problema é persistente. E sempre que se agrava, os principais prejudicados são os consumidores, por ficarem expostos a produto de má qualidade, ou misturados fora das proporções previstas; o governo, que perde na arrecadação; e o setor, que é prejudicado em diversas etapas da cadeia de distribuição pela concorrência desleal.

Foi assim na onda das liminares, foi assim na febre dos solventes e está sendo assim com o etanol. Contudo, muitos avanços foram feitos para reduzir os problemas nos últimos 20 anos. Mas a criatividade do fraudador brasileiro encontra o par perfeito no cipoal legislativo do setor.

Antonio Carlos de Moura Campos, da Sefaz-SP, dá uma amostra singular neste sentido, que está diretamente relacionada aos postos. Após o Estado de São Paulo tomar uma série de medidas, que incluem até a aprovação de leis pelo executivo para a cassação da inscrição dos postos flagrados com produto adulterado, muitas das ações práticas acabaram sendo frustradas por um recurso que seria cômico, se não fosse trágico. Alguns advogados de postos começaram a entrar com recurso que procura garantir ao posto o acompanhamento dos exames periciais no combustível apreendido. A prática ficou conhecida simplesmente como “o assistente do dono”.

A Justiça reconheceu o direito de ampla defesa dos revendedores e garante que eles acompanhem junto ao IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) a medição do teor de álcool na gasolina. Porém, os advogados foram além e queriam que um representante do posto acompanhasse o exame de cromatografia para identificação do marcador do solvente.

O IPT e o governo alegaram que isso não seria possível porque ameaçava o sigilo da formulação do marcador de solvente. Ou seja, um observador que acompanhasse o teste poderia buscar um meio de reproduzir ou neutralizar o marcador, garantindo imunidade em futuros exames.

“Estamos mostrando isso aos magistrados para que eles possam compreender a situação”, afirma Moura. O diretor-adjunto da Sefaz-SP espera que o conhecimento passado aos juízes seja suficiente para garantir que os postos que venderam combustível adulterado fiquem fora do mercado.

Este exemplo pode parecer um detalhe, mas entre a identificação da causa do problema até a sua solução, são meses de trabalho duro de diversos órgãos do governo e entidades do setor como Fecombustíveis, Sindicom, ANP, Secretarias da Fazenda, Polícias, Ministério Público, Receita Federal, Procons, entre outros. É conhecimento construído às duras penas que garante um mercado mais justo e equilibrado.

A parceria entre entidades públicas e privadas é talvez o ponto alto desta história de quase 20 anos de combate aos delitos do setor de combustíveis no Brasil. São diversos exemplos no Brasil. E, à medida que as parcerias avançam e os frutos são colhidos, novas ideias surgem.

Por exemplo, em setembro a Sefaz-SP deve assinar um convênio com a Secretaria de Estado da Justiça e o Sindicom para colocar em prática a lei do perdimento. Este é um ponto importante que define que o combustível fora das especificações é confiscado. Porém, a lei enfrentou um problema operacional: o que fazer com o combustível apreendido? O convênio procura resolver esta pendência.

A Sefaz-SP também pretende estabelecer um segundo convênio em setembro, com o Ministério Público, para fiscalização do setor, no qual as entidades vão compartilhar equipamentos para fiscalizar a qualidade do combustível. Em outro acordo, feito entre o Ministério Público e o Instituto Falcão Bauer, o Instituto vai disponibilizar uma unidade móvel para testar as amostras de combustível.

Outros Estados que seguem a mesma linha e conseguiram aprimorar em muito a fiscalização sobre o setor foram a Bahia e Pernambuco. Na Bahia, desde 2007 funciona o Fórum Mercado de Combustíveis com reuniões trimestrais onde agentes do setor discutem ações e meios para combater a sonegação. Na reunião mais recente, em julho, discutiu-se a tributação do etanol, operação conjunta realizada com as secretarias da Fazenda de Minas Gerais e Espírito Santo e projeto de fiscalização de postos de combustíveis.

Já em Pernambuco, as autoridades criaram o Passe de Compra Confirmado. O sistema funciona da seguinte forma: quando uma usina recebe um pedido de compra, ela deve entrar em um sistema on-line mantido pela Secretaria da Fazenda do Estado para pedir o passe para circulação. Assim que é concluída esta etapa, a usina comunica o cliente, que deve confirmar que aquela compra foi solicitada. Feito isto, a usina deve imprimir o passe, que deve acompanhar a nota fiscal e o recibo de pagamento do imposto. Caso o motorista do caminhão não apresente um desses documentos nas barreiras fiscais, a carga é apreendida.

Quando a carga – seja ela etanol anidro, hidratado, ou para outros fins – chega ao destinatário, ele deve entrar novamente no sistema on-line da secretaria da fazenda para acusar o recebimento da mercadoria. Caso isto não seja feito, as próximas remessas envolvendo este cliente e a tal usina podem ser interceptadas e retidas até que a situação em aberto seja averiguada e regularizada.

À medida que o arsenal de medidas de combate à sonegação aumenta, há dois efeitos. O primeiro é o aumento do número de casos identificados. No dia 23 de julho, a Sefaz-SP, com o auxílio do Ministério Público, realizou uma operação em 23 alvos suspeitos de envolvimento com lavagem de dinheiro por organizações criminosas. Foram fiscalizados 12 postos de combustíveis, nove escritórios de contabilidade e dois ex-sócios das empresas suspeitas. Embora o foco da operação tenha sido o recolhimento de provas de crimes do colarinho branco, a Fazenda também investigará eventuais fraudes fiscais e contábeis, além de adulteração de combustíveis.

Segundo Moura, da Fazenda paulista, o aumento no número de casos é um reflexo do desenvolvimento de instrumentos e de conhecimento para combater a sonegação. E ele revela que a reformulação da lei do perdimento, que está sendo conduzida pelo deputado estadual Fernando Capez (PSDB)  prevê alguns tipos de fraudes que ainda não foram detectadas pelas autoridades. Um exemplo são fraudes que usam novas tecnologias para burlar o fisco. 

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