Amigos, abordarei um tema de difícil trato, principalmente para minha área de atuação, mas proporcional à polêmica criada: a chamada “lei do silêncio” aos árbitros de futebol.
Por estar envolvido nessa seara, e sem querer desrespeitar a orientação dada a nós pelas Comissões de Arbitragem, sei que terei algumas limitações por impedimentos éticos; mas amparado pelo espírito democrático de livre expressão, ousarei aqui opinar.
Tenho ouvido muitas discussões entre imprensa e aficcionados pelo futebol sobre o tema. Mas… e a opinião dos atingidos por tal medida (nós, os árbitros), como fica? Fica silenciada, é claro, por uma espécie de censura determinada por níveis de comando superior.
É nesse limiar (dificultoso, é verdade) que quero tratar: até onde somos proibidos de falar e até onde deveríamos falar. Não quero infringir a norma, mas me sinto omisso como cidadão em não expressar minha opinião.
O fato relevante é que a CBF, amparada oficialmente pela Conmebol, determinou que os árbitros de futebol estão proibidos de dar entrevistas sobre partidas das competições de jurisdição das respectivas entidades.
Sinceramente e sem deboche, pergunto: qual a novidade?
– Sempre foi assim…
Talvez o fato novo seja a amplitude da medida: proibição pré e pós-jogos; partidas de categorias diferentes e até mesmo uma indevida instauração de espírito de animosidade entre árbitros e jornalistas.
Explicito minha opinião pessoal, respeitosa, e que procura fomentar o debate sadio e democrático: tal medida é desnecessária e até mesmo violenta o senso comum e a inteligência das pessoas; claro, desde que exista a ética na categoria.
Alguém precisa avisar um árbitro que é indelicado criticar um colega seu que apita jogos do mesmo torneio que você tem atuado? É claro que não!
Tal medida cerceia a possibilidade de crescimento e didática dos próprios árbitros de futebol. Qual a implicação indevida de um árbitro que apita série D do Campeonato Brasileiro em explicar um lance ocorrido em jogo das Eliminatórias da Copa? A respeitosa discussão com fins de aprendizado deve ser incentivada, não extirpada! Tais embates são verdadeiras alfabetizações contínuas aos profissionais do futebol.
As recomendações e determinações sobre censura sempre existiram e infelizmente sempre existirão, mas por determinados e diversos motivos. A clareza fica em segundo plano, já que os argumentos que justificam o silêncio são impostos; nunca discutidos nem bem elaborados. E tudo isso incomoda o árbitro de futebol sério e comprometido.
Me lembro que no início da carreira, meados dos anos 90, não se podia dar entrevista porque árbitro “não sabia falar”. A instrução do quadro de árbitros era outra, a desenvoltura ainda tímida frente as câmeras. Àqueles que se expressavam bem, silêncio! Afinal, a ordem era para todos.
Passado algum tempo, virada de milênio, nova comissão, nova determinação: quem falar em microfone, qualquer que seja o assunto, não apita! A quem possa interessar, era ordem da CBF ou da FPF (das respectivas comissões). O motivo era não polemizar o meio da arbitragem.
Meados de nossa década, novas mudanças: pode falar, mas desde que não seja de futebol. Aos poucos, os árbitros foram se soltando, e algumas novidades surgindo: o programa do jornalista Milton Neves, por exemplo, então na Rede Record, começou a remunerar os árbitros que fossem à TV e falassem. Podia ir, desde que comunicando às entidades e comissões, mas com o máximo de cuidado.
Agosto de 2009: apenas um reforço ao que sempre ocorrera: árbitro não pode falar. E isso estendeu-se a uma prática dentro de campo: a discrição das sinalizações em campo. Cada vez mais o árbitro deve marcar o lance e não procurar justificá-lo com gestuais. Àqueles que estão atentos ao lance e entendem de regra, tudo bem. Mas aos que não compreendem as 17 regras, isso provoca a criação de inúmeras dúvidas a quem assiste, taxando muitas situações como “perigo de gol”.
Cá entre nós: a clareza não é algo importante e necessário em todas as atividades da sociedade? Mostrar explicitamente sua marcação em campo ou explicar taxativamente sua decisão numa entrevista pós-jogo poderia tornar a imagem atual tão sisuda do árbitro em outra mais transparente. Ainda: mostra que o mesmo entende do que faz e não quer ludibriar ninguém.
A orientação atual contradiz esse pensamento: acredita-se que quanto mais se fala, mais se polemiza.
Novamente reforço minha observação sobre tal medida: como cidadão discordo, mas como árbitro devo respeitar e cumpri-la.
Veja a diferença abissal entre a Conmebol e UEFA: na Europa, os árbitros dão entrevistas pós-jogo, tiram dúvidas e tem a imagem de respeito em alta perante a sociedade futebolística. É claro que é outra cultura, mas o modo tratado também é outro. O respeito à figura do árbitro é trabalhada, não censurada.
Particularmente, prefiro o modo europeu. Mas ordem superior não se discute, cumpre-se…