Amigos, à todos nós que militamos e gostamos do futebol, um sensacional artigo do Blog “Olhar Crônico Esportivo”, por Emerson Gonçalves, que retrata perfeitamente quem podem ser os verdadeiros protagonistas do futebol e ao mesmo tempo os principais adversários dos árbitros: os EDITORES DE IMAGEM.
Deixando um pouco de lado a discussão “tecnologia ou não no futebol“, mas sutilmente a imbutindo nesta crônica, compartilho inteligentíssimo e propício texto, abaixo.
Extraído de: http://colunas.globoesporte.com/olharcronicoesportivo/2009/07/01/as-novas-feras-do-futebol/
AS NOVAS FERAS DO FUTEBOL
À guisa de explicação: Ultimamente, a chiadeira com arbitragens tem atingido um nível que começo a achar doentio. Reclamam torcedores, reclamam jornalistas e reclamam dirigentes. Estes, é bom que se diga, sempre reclamaram, sempre reclamarão. Reclamam, também, técnicos e jogadores, preparadores físicos e massagistas, gandulas e Cia. Bela.
Na base para tanto tititi, as imagens da TV. Puxadas na zoom, editadas em slow motion, dramatizadas, cortadas, separadas de seu contexto. Juízes dos tribunais diversos valem-se delas, deletando a autoridade de quem esteve em campo, ao lado da jogada.
E de volta aos dirigentes: está virando moda as imagens gravadas e editadas servirem de base para dossiês, cartas, memorandos, entrevistas, conversas ao pé de ouvidos privilegiados, etc.
O futebol começa a perder sentido. Na nova disputa que se instala, “meu time foi mais prejudicado”, vale tudo, até mesmo imagens de outras eras. Se bobearmos, logo logo veremos imagens exumadas de arquivos mortos das cinematecas.
Diante de tudo isso, claro fica que as imagens das TVs já não serão suficientes e todo time que se preza vai querer gravar e editar suas próprias imagens para acusar a arbitragem – claro que só em caso de derrota. Porque estamos chegando ao ponto de nem mesmo as imagens das emissoras serem suficientes. Cada um vai querer as próprias imagens para comprovar o quão roubado foi.
Essas, portanto, são as novas feras do futebol: o pessoal das imagens. Serão eles que definirão os resultados considerados reais por cada cartola desse Brasil varonil. Serão eles as próximas grandes estrelas do show business futebolístico no Brasil.
E haja dossiês…
Kaká?
Cristiano Ronaldo?
Ronaldo?
Ramires?
Nilmar?
Bobagem.
O futebol tem novas feras, novas estrelas, novos astros. Não são ainda conhecidos do grande público, embora suas jogadas encantem e desencantem e sejam decisivas. Esses caras são os novos caras. Um joga pra frente, exposto, correndo atrás de tudo e de todos, chegando junto e às vezes até antes. Outro fica na retaguarda, arruma aqui, arruma ali, remonta, reconstroi, aprimora e apresenta. Raramente vê a luz do sol ou dos refletores, mas suas ações são decisivas.
Um é o “Zezinho Carrapato”, cinegrafista de mão-cheia, que segundo a legislação deve ser chamado de repórter cinematográfico. Carrapato porque ele gruda e não desgruda das cenas do jogo. Aciona a zoom de sua lente poderosa e aproxima a imagem até nos sentirmos dentro dela. Se os jogadores não usassem chuteira e meião, muitas imagens permitir-nos-iam a visualização em detalhe das veias e calos dos jogadores. Zezinho tem noção perfeita de perspectiva e enquadramento. Enquadramento é tudo, não importa o quão fechada ou aberta esteja a zoom.
O outro é o “Jorginho Dedos Leves”, editor de dedos tão ágeis quanto sua mente. Tudo que o Zezinho captou, implacavelmente, ele transforma, dramatiza, aumenta às raias do infinito. Para ele, o tempo é apenas uma mera referência de trabalho, pois um mísero segundo pode ser transformado em 30 segundos. Ou eternizado num frame frizado – quero dizer, uma cena, uma imagem congelada, parada. Se nós contamos nosso tempo em horas e montes de minutos, ele conta seu tempo em frames – um frame é 1 trigésimo de segundo, ou um trinta avos. O slow motion valoriza e dramatiza qualquer cena. Na ilha de edição é a salvação do diretor, que diante de uma cena que ficou mais pobre que o previsto e visto na gravação, vira-se para o editor e comanda:
“Põe um “islouzinho” aí, dá uma valorizada, dramatiza um pouco.”
Essas são as feras do momento.
Time nenhum pode ir a campo sem que os dois, no mínimo, estejam concentrados, de preferência escalados como titulares.
Depois, caso o esquadrão perca, basta recorrer às imagens e detonar a arbitragem. Nenhum time mais será derrotado pelo adversário, todas as derrotas terão o árbitro como responsável. Teremos um futebol só de vencedores: metade favorecida, metade garfada.
Todavia, estimadíssima leitora, estimadíssimo leitor, não ouse mudar de lado da mesa, pois você terá a mesma situação com sinal invertido.
Espantoso, não?
Todo cartola esperto – epa, isso é uma redundância; todo cartola é esperto, mesmo porque ele teve que ser mais esperto que enorme bando de pretendentes ao mesmo cargo; quem conhece um clube, qualquer clube, sabe bem a que humilhações e absurdos se submetem provectos e respeitáveis senhores, em troca do cargo de vice-diretor de pebolim e da carteirinha correspondente, que vai dar-lhe o direito de diferenciar-se dos mortais comuns e ganhar uma vaguinha pro possante lá no fundão do estacionamento – dos dias de hoje, vale dizer, todo cartola, já tem em seu planejamento de contratações imediatas uma boa dupla de cinegrafista e editor.
Sua planilha de custos prevê atrasos de salários, mas não comporta, nem por brincadeira, um atrasinho sequer no pagamento do equipamento de vídeo e edição.
Porque este é o futuro próximo, abrir mão das imagens das emissoras e gerar e editar as próprias imagens.
Finalizando, repetirei uma frase que deve ser lida e pensada com mais cuidado e vagar do que da primeira vez:
Estimadíssima leitora, estimadíssimo leitor, não ouse mudar de lado da mesa, pois você terá a mesma situação com sinal invertido.
Observação: “Zezinho Carrapato” e “Jorginho Dedos Leves” são nomes fictícios e uma pequena homenagem aos excepcionais profissionais com quem tive e tenho a honra e o prazer em trabalhar.
