O africano de Engenheiro Coelho

O futebol nos proporciona situações engraçadas e curiosas. E as divisões de baixo e jogos pelo interior, a nós, árbitros, permitem conhecer histórias e estórias. Na última rodada, tive a oportunidade de apitar a partida entre o Sub20 da Ponte Preta X Independente, e trouxe de lá (além da lembrança de uma ótima arbitragem), a história real do africano M’Bola. Veja que curioso:

Ao chegarmos à praça esportiva, encontramos um negro alto, forte, jovem e bem vestido, sozinho numa arquibancada, debaixo de um escaldante sol. Assim que descemos do carro, ele veio em nossa direção, achando que nós eramos dirigentes esportivos da Ponte Preta (talvez por estarmos todos de terno, que é a vestimenta que usamos ao chegar num estádio). Com um português carregado de sotaque estrangeiro (não português de Portugal ou do Brasil, mas de qualquer outro lugar), disse que era jogador de futebol e comecei a puxar conversa.

O rapaz se apresentou como Ricardo (nome português) ou M’Bola (nome africano que já tem a bola até no nome). Ele veio de Guiné-Bissau. Já houvera disputado campeonatos pela Seleção de Guiné-Bissau nas divisões Sub15, Sub17 e Sub20, onde foi observado numa copa africana de nações e contratado pelo Benfica de Portugal. Mas aí vai um detalhe interessante: em seu país, há cristãos de diversas profissões religiosas, religiões tribais africanas e outras. E no caso desse jogador, ele é adventista do sétimo dia, e por esse motivo, e até porque existem muitos adventistas nesse país, não costumam jogar aos sábados (que é o dia de guarda deles). Na sua transferência, havia uma cláusula que lhe permitia a dispensa do sábado. No contrato assinado em português de Guiné-Bissau, segundo o empresário de Benfica, havia muitas palavras não-usuais do portugês pátrio. Assim, houve tradução do “português para o português”, e na nova versão, o jogador assinou sem ler e não havia a ressalva do sábado.

No Benfica, jogou com o zagueiro Luisão (ex-cruzeiro) e Léo (ex-Santos), e disputou até a Champions League. No entanto, quando foi convocado para jogar no sábado, e crente que o contrato o liberaria, houve a discórdia e teve a interpelação da FIFA para o distrato.

Então, o jogador que aceitou encerrar o contrato sem multa e até estava disposto a abrir mão da carreira de atleta, foi convidado por um missionário da igreja dele para vir ao Brasil, em uma missão evangelística. E, segundo o jogador, na África o Brasil é a segunda pátria  de todos no futebol. Chegando aqui, foi estudar numa escola adventista, na cidade de Engenheiro Coelho – SP, onde realiza trabalhos sociais paralelamente. Por coincidência, em sua turma da faculdade havia um filho do diretor da Ponte Preta, que sugeriu fazer um contato para tentar uma oportunidade. E ali estava ele, negociando um contrato profissional, aos 21 anos, com essa história interessante (e com a possibilidade de não jogar aos sábados). E pelo que pudemos perceber, será o substituto do atacante Wanderley, vendido da Ponte Preta para o Cruzeiro.

Boa sorte, M’Bola ou Ricardo. Benvindo ao país do futebol, onde talvez particularidades como essas sejam permitidas!

 

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