A Indiana da Pepsi

 

Conforme algum aluno (que peço desculpas por não recordar o nome) houvera pedido, o trecho da matéira da Revista Exame sobre a reinvenção do grupo Pepsico pela sua presidente, a indiana India Nooyi.

(Extraído do site de Exame, com adaptações, e reportagem de Cristiane Mano:

http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0924/gestaoepessoas/m0165591.html)

 

 

Uma porção de batatas fritas. Uma lata de refrigerante. Quantos produtos além desses identificam de maneira tão simples e imediata o estilo de vida americano que se espalhou pelo mundo ao longo do último século? Sob esse aspecto, a Pepsico, dona de marcas como Ruffles e Pepsi, representa uma espécie de quintessência dos hábitos do país. Assim como na esmagadora maioria de outras corporações gigantes baseadas nos Estados Unidos, o perfil dos executivos que estiveram à frente da companhia até pouco tempo atrás segue uma linhagem tão americana quanto seus produtos mais conhecidos. Homem, branco, nascido e criado no país. A descrição se encaixa em cada um dos quatro primeiros executivos que presidiram a Pepsico desde sua formação, em 1965, da fusão da fabricante de salgadinhos Frito Lay com a empresa de bebidas Pepsi-Cola. Aos 86 anos, Donald Kendall, o primeiro desses presidentes, ainda circula todos os dias pelos corredores do escritório da sede da Pepsico em Purchase, um vilarejo a cerca de 30 minutos do centro de Manhattan. Kendall, um dos idealizadores do negócio que deu origem à Pepsico, ocupa uma das maiores salas do 3o andar de um dos seis prédios que compõem o complexo da sede da companhia. É preciso caminhar um pouco mais pelo corredor para encontrar a ampla sala em que trabalha a única exceção nessa linhagem sucessória da Pepsico — a indiana Indra Nooyi. Em outubro de 2006, ela se tornou a primeira mulher e — mais importante — a primeira executiva nascida fora dos Estados Unidos a comandar a empresa, uma potência com vendas de 39 bilhões de dólares no ano passado, operações em 200 países e valor de mercado de mais de 100 bilhões de dólares.
Aos 52 anos, Indra é, de vários ângulos, uma exceção não apenas na casta de presidentes da Pepsico como também no universo empresarial americano. O motivo mais óbvio está em sua origem. Filha de um contador e de uma dona-de-casa, ela nasceu e cresceu em Chennai (antiga Madras), na Índia. Graduada em química, com especialização em administração pelo Indian Institute Management, mudou-se para os Estados Unidos em 1978 para cursar MBA em Yale. Indra hoje compõe o restrito time de 15 executivos à frente de uma das 100 maiores empresas americanas que não nasceram nos Estados Unidos. Entre eles estão o australiano Andrew Liveris, presidente da Dow Chemical, e o também indiano Vikram Pandit, presidente do Citigroup nomeado em dezembro de 2007. Carismática e informal, ela desenvolveu um estilo de liderança peculiar. Casada e mãe de duas adolescentes, costuma organizar jantares em sua casa para receber os executivos da empresa (com seus cônjuges). Nas festas da Pepsico assume o comando do karaokê e solta a voz — o repertório vai de músicas caribenhas a clássicos do rock. “Nunca imaginei chegar até aqui”, disse ela a EXAME, num inglês ainda marcado pelo sotaque indiano.
(…)
No caso de Indra, acelerar a expansão global da Pepsico é parte de um compromisso assumido em meados dos anos 90. (…) A executiva vendeu a divisão de restaurantes, com marcas como Pizza Hut, Taco Bell e KFC. Na seqüência, comprou por 14 bilhões de dólares a Quaker (dona das marcas Toddy e Gatorade) e por 3,3 bilhões a fabricante de sucos Tropicana. “Fiquei dias sem ir para casa. Tomava banho na academia da empresa e dormia no escritório”, diz ela, confessando seu lado workaholic.
Recentemente, a Pepsico passou a adquirir empresas fora dos Estados Unidos. Só no ano passado, investiu 1,7 bilhão de dólares em aquisições. Boa parte desse volume foi dedicada a mercados emergentes, como a compra da maior fabricante de sucos da Rússia, a Lebedyansky, e a fabricante de salgadinhos brasileira Lucky, dona das marcas Torcida e Fofura. (…) . A Pepsico tem se mostrado uma eficiente compradora de negócios ao redor do mundo, o que está transformando seu negócio global e fazendo com que suas vendas aumentem com consistência”, diz o analista especializado em bens de consumo Marc Greenberg, da filial do Deutsche Bank em Nova York.
Dentro da definição da corporação do século 21 criada por Indra, existe cada vez mais autonomia tanto para comprar como para lançar produtos localmente. Seu objetivo é fazer com que essas iniciativas locais sejam partilhadas com o resto do mundo — algo que Indra batizou de autonomia conectada. Agora não apenas as subsidiárias se curvam diante da matriz todo-poderosa, mas o contrário também começa a acontecer. Na nova lógica da Pepsico, as experiências de uma fabricante como a brasileira Lucky pode se revelar atraente também para a própria matriz — ou pelo menos seu modelo de negócios pode ser replicado em outras partes do mundo. No começo deste ano, um grupo de americanos esteve no Brasil para conhecer a peculiar estrutura comercial e logística da Lucky — na qual não existe um único vendedor. Em vez de uma força de vendas, a empresa possui apenas um sistema de recebimento de pedidos por e-mail ou telefone, localizado em sua sede, em São Paulo. Sem os altos investimentos para colocar uma equipe comercial na rua, a Lucky consegue manter preços baixos para os clientes — o que garante a fidelidade. “Estamos estudando profundamente esse modelo para avaliar a possibilidade de replicá-lo em outros países”, diz o americano John Compton, diretor da divisão de alimentos para as Américas.
A nova ordem da globalização da Pepsico já fez com que uma marca lançada no Brasil no final de 2006 — a H2OH! — hoje esteja à venda em 15 países, como Irlanda e Vietnã. O carioca Carlos Ricardo, de 45 anos, coordenou o lançamento do produto desde sua concepção enquanto estava à frente da diretoria de marketing da empresa na matriz, em Nova York. Hoje, a marca lidera uma nova categoria de produtos inaugurada por ela mesma — a de bebidas doces com menos gás. A Coca-Cola logo lançou a Aquarius para fazer frente ao lançamento da concorrente. “Viramos referência para outros lugares do mundo”, diz Vasco Luce, presidente da divisão de bebidas da Pepsico no Brasil. Hoje, como vice-presidente de marketing da área de alimentos da Pepsico no Brasil, Carlos Ricardo criou um salgadinho à base de legumes brasileiros, como inhame e mandioca, com a marca Raízes do Brasil. É uma tentativa de fazer crescer as vendas no país com marcas locais, já que a global Lays, de batata frita, não decolou por aqui. (Por causa de um incêndio na fábrica de Curitiba em dezembro, a produção da linha Raízes do Brasil foi interrompida e só deve ser retomada no final deste ano.)
A nova empresa global de Indra está longe de ser uma obra acabada. Neste ano, para ampliar o fluxo de informação e conhecimento das subsidiárias para a matriz, ela aumentou o número de profissionais de seu comitê executivo de dez para 29. “A única razão para isso é elevar a qualidade da discussão”, diz ela. Um dos novos integrantes é o suíço Olivier Weber, diretor da Pepsico para a América Latina e ex-presidente da operação brasileira. O grupo já se encontrou duas vezes neste ano em Nova York. O terceiro encontro, agendado para setembro, será pela primeira vez fora dos Estados Unidos. O local escolhido foi Nova Délhi, na Índia. “Além da reunião, teremos uma agenda de visitas a varejistas e fábricas locais”, diz Weber. Ao escolher Nova Délhi, Indra quis mandar uma mensagem enfática a seu pessoal: a fórmula que deu certo no passado não funcionará mais daqui para a frente. “Ainda hoje, quando boa parte dos executivos que fizeram carreira em países estáveis fala em mercados globais, está se referindo a Paris, Genebra e Londres”, diz ela. “É preciso mudar rapidamente essa visão para realmente construir uma empresa global.”

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