– A Letra Cursiva vai acabar?

Com o advento do computador, muitas crianças deixam de escrever a tradicional “letra de mão”. A letra cursiva está fora de moda, e isso preocupa – e muito – os professores.

Extraído de: http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2074/uma-realidade-nas-escolas-eu-nao-sei-escrever-em-letra-146035-1.htm

EU NÃO SEI ESCREVER LETRA CURSIVA

Por Camila Rabelo

A letra ilegível era uma marca registrada dos médicos e suas receitas indecifráveis. Hoje, rompeu as fronteiras da profissão e se tornou quase uma tendência na sociedade da pressa. A ilegibilidade é uma das consequências da substituição do caderno pelo computador e da pouca ênfase que se dá ao ensino da letra cursiva nas escolas. Em outros tempos, os cadernos de caligrafia moldavam a escrita dos alunos. Até hoje, representam um importante rito de passagem para crianças recém-alfabetizadas que conseguem ultrapassar a barreira da letra de forma e se capacitam na cursiva – aos 6 anos, elas já se dividem em grupos dos que dominam o mundo da “letra corrida” e daqueles que ainda continuam nas “letras separadas”. Mas o entusiasmo é arrefecido com o passar dos anos. Elas precisam fazer pouco uso da técnica, pois até as provas são de múltipla escolha – basta marcar um X nas alternativas propostas e ir para casa sem gastar a caneta. Fora de uso, a letra perdeu a uniformidade e a nova grafia mescla traços cursivos com letras maiúsculas, comprometendo até mesmo os sinais de acentuação, como o til (~), que virou um traço (-). Nem sempre a legibilidade é mantida. E dá-lhe garranchos incompreensíveis.

O impacto da disgrafia – a escrita incompreensível – na vida das pessoas vai além do senso estético. Quem sofre deste distúrbio pode ser tachado de desleixado ou problemático. E não ser compreendido na sociedade da informação é um fardo que poucos podem carregar. A solução? Recorrer aos textos digitais do e-mail e mensagens instantâneas, como MSN e SMS. “A tecnologia pode ser a aliada e a vilã da história”, afirma Marco Arruda, neurologista da infância e da adolescência e diretor do Instituto Glia de Cognição e Desenvolvimento. O excesso de informação, a falta de tempo e o conforto da internet contribuem para a deformidade da letra, que se torna dispensável e, quando utilizada, apressada e incompreensível. “Escrevo muito rápido. Não dá tempo de enfeitar”, afirma Lucas Dias Oliveira, 12 anos, que foi reprovado no ano passado porque os professores não conseguiram corrigir a sua prova. “Não entendi nada”, assinou a professora na avaliação. “Ele é extremamente inteligente e rápido.

Tem uma velocidade incrível no teclado”, afirma a sua avó, Marialva Dias.

“Mas a letra é um garrancho.” Os esforços de Marialva, que comprou dezenas de cadernos de caligrafia e livros para o neto, não foram suficientes para que o menino deixasse o computador e melhorasse a grafia. “Ele é agoniado, ansioso e necessita de acompanhamento psicológico para melhorar a letra”, afirma.

Janice Cabral Falcão, psicóloga e presidente da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, acredita que os cadernos de caligrafia não resolvem o problema. Para ela, a falta de espaço para brincar e a vida sedentária comprometem o tônus muscular das crianças, que ficam sem coordenação motora e destreza para lidar com o lápis.

“Elas precisam participar das atividades domésticas que exijam alguma habilidade manual”, afirma. Para o neurologista Marco Arruda, a escrita está mais relacionada com as funções do cérebro do que com a tonicidade dos músculos e ele alerta que a escrita ilegível pode ser um sinal de enfermidade ou transtorno psicológico, como dislexia, déficit de atenção e hiperatividade.

“É preciso treinamento da letra com sessões de reabilitação”, afirma. O neurologista lembra que brincadeiras fora de moda com bolas de gude e palitinhos, além das aulas de caligrafia, favoreciam o desenvolvimento psicomotor da criança, que não tem os mesmos estímulos nos jogos eletrônicos de hoje.

Não são apenas as crianças as vítimas da disgrafia. A pesquisadora Luciana Moherdaui, 38 anos, especialista em novas mídias e interfaces digitais, trocou os cadernos pelo computador desde que saiu da faculdade. “A minha letra era legível, mas, depois que passei a usar diariamente a rede, perdi a capacidade de escrever”, afirma Luciana, que explica ter o raciocínio igual ao Word – ‘escreve, erra, apaga e refaz’ – impossível no texto à mão. Quando vai a uma palestra em que não pode levar o seu laptop, a pesquisadora também não leva o bloco de anotações. “Decoro tudo”, diz. “Não entendo a minha letra.” Como especialista no tema, Luciana acredita que o futuro do aprendizado caminha em direção às novas tecnologias. “A tendência é que os meninos troquem os cadernos pelos mininotebooks.” Apesar da alternativa da tecnologia, ter letra legível (e bonita) ainda é importante. “Já zerei provas no vestibular porque estavam incompreensíveis”, afirma José Ruy Lozano, corretor de redações dos principais processos seletivos de São Paulo e professor de redação do ensino médio do Colégio Santo Américo. Vale lembrar que as redações de vestibular também podem ser escritas em letras de forma. Mas a cursiva ainda conta pontos, por exemplo, em processos de seleção de emprego.

O ato de escrever teve os seus altos e baixos na história. Sócrates e Platão (séc. V a.C.) eram contra a escrita e defendiam a oralidade. Na Idade Média, ela ganhou visibilidade e subiu ao altar com os monges copistas, que registravam a cultura e as descobertas históricas em pergaminhos, para imortalizá-las ao longo dos séculos.

“Ela passou a ser a escrita própria dos textos cristãos, em oposição aos caracteres romanos dos textos pagãos”, afirma o grafólogo Paulo Sérgio de Camargo, autor do livro “Sua Escrita, Sua Personalidade” (Editora Ágora).

A caligrafia – palavra que tem origem no nome kallos (belo) e grafos (grafia) – surgiu como arte quando o imperador Carlos Magno (742-814) decidiu unificar os textos e documentos da Europa Central com a escrita cursiva, conhecida como ‘letra carolina’, mais rápida que a tipografada. Segundo os grafólogos, a cursiva é um sinônimo de elegância e uniformidade, mas também rigidez e padrão. Por ironia, ela está sendo gradativamente substituída pelo mesmo motivo que a originou – a necessidade de rapidez.

“As escolas não se preocupam mais com a letra”, afirma o neurologista Arruda. “Os cadernos de caligrafia caíram em desuso.” Resta saber se as belas letras trabalhadas em rococós se tornarão um raro tesouro, que sobrevive apenas nos convites de formatura ou casamento.

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Imagem extraída da Internet, autoria desconhecida. Quem conhecer a autoria, favor informar para crédito.

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4 comentários sobre “– A Letra Cursiva vai acabar?

  1. Posso opinar também? Bem, sou professor, mas de direito penal. Agora nas férias estou ajudando minha sobrinha (5a. série) a melhorar sua aprendizagem de português. Notei que sua letra estava ruim. Fiquei espantado com isso, porque entre seus livros está um de caligrafia. Por que esse livro não melhorou a letra dela? Acho que descobri a resposta: não melhorou por dois motivos, primeiro porque a letra do livro é uma letra de computador, que simula a letra pedagógica, mas não é pedagógica como essa acima, uma vez que é impossível para a criança copiar aquela letra feita por computador. Segundo, que a criança reproduz apenas uma linha de cada frase-modelo, sendo que não adquire um padrão. Resolvi eu mesmo fazer cadernos de caligrafia para a minha sobrinha, no bom e velho método antigo, escrevendo a mão os modelos de frases, que ela reproduz umas 8 linhas. Resultado? Ela já melhorou a letra consideravelmente! Logo, quem disser que está superado, se engana. E quem achar que esse livros de letras impressas, coisa de professor preguiçoso, que não é capaz de ele mesmo escrever um caderno com frases para a criança, ajuda, também se engana.

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  2. Muito triste o que acabei de ler. Mas acredito que as crianças não tem culpa. A culpa é de quem as acompanham. Os pais e/ou responsáveis por ela sim. Porque deve haver hora pra tudo, até mesmo pra usar o computador. Principalmente jogos.
    Eu penso como essas crianças que não sabem fazer letra cursiva vão fazer uma redação numa entrevista, num concurso ou até mesmo escrever um bilhete?
    Acredito que tanto os professores do EF e os responsáveis têm responsabilidade e culpa nessa situação.
    Esse negócio de fazer prova só com múltipla escolha não é nada pedagógico. Porque não diversificar a avaliação. Uma parte da nota ser uma redação, outra numa palavra cruzada com o assunto que está sendo trabalhado e por último a múltipla escolha?
    Professor que só dá prova de múltipla escolha no meu modo de pensar, além de ser preguiçoso não sabe fazer uma avaliação correta. Porque só uma prova de marcar um X não mede conhecimento de ninguém.
    Na hora que essa criança se encontrar em um outro tipo de avaliação ela vai travar. E de quem é a culpa? Dela? Não! Pra isso ela foi para a escola e lá é obrigação do professor ensinar e fazer com que ela seja obrigada a escrever pra não chegar lá na frente onde vai precisar escrever acaba se dando mal na prova ou avaliação.
    A culpa é sempre do computador ou da Tecnologia. Mas o computador não pensa, e só sabe ler 0 e 1. E não fala. Ele não chama a criança pra ficar o dia todo ou maior parte dele usando Aplicativos e Jogos.
    O computador é um facilitador e não um ditador. A Tecnologia não atrapalha ela ajuda.
    Mas infelizmente o mal uso dos dois por quem não sabe o que está fazendo faz bobagens.
    Poderia ficar aqui escrevendo muitas coisas, mas penso o seguinte: ninguém nasce andando nem falando.
    Para isso existem as fases da vida. Por isso que as crianças vão pra escola pra aprender.
    Logo o problema está nas escolas e nos responsáveis por elas.

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